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Vol. 19. Issue 1.
Pages 1-6 (January - February 2013)
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Vol. 19. Issue 1.
Pages 1-6 (January - February 2013)
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Associação entre postura, função pulmonar e capacidade funcional na fibrose quística
Association among posture, lung function and functional capacity in cystic fibrosis
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J.T.S. Penafortesa,1, F.S. Guimarãesa,1, V.J.R. Moçoa,2, V.P. Almeidaa,2, R.F. Diasa, A.J. Lopesa,b,1,
Corresponding author
phel.lop@uol.com.br

Autor para correspondência.
a Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação, Universidade Augusto Motta, Rio de Janeiro, Brasil
b Laboratório de Fisiologia Respiratória, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação, Universidade Augusto Motta, Rio de Janeiro, Brasil
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Tabela 1. Dados antropométricos, função pulmonar, capacidade funcional e domínios do Questionário de Fibrose Quística com Versão Revisada nos pacientes com fibrose quística
Tabela 2. Dados obtidos através do software de avaliação postural nos pacientes com fibrose quística
Tabela 3. Coeficientes de correlação de Spearman entre os dados obtidos através do software de avaliação postural, função pulmonar e capacidade funcional em pacientes com fibrose quística
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Resumo
Objetivos

Avaliar as correlações entre função pulmonar, capacidade funcional e postura em pacientes adultos portadores de fibrose quística (FQ). Como segundo objetivo, avaliar a correlação entre a qualidade de vida e as variáveis obtidas na avaliação postural destes pacientes.

Métodos

Foi realizado um estudo transversal em que 14 portadores de FQ se submeteram à avaliação da análise postural (software de avaliação postural) e provas de função pulmonar (espirometria, pletismografia de corpo inteiro e medição da capacidade de difusão do CO) e capacidade funcional (teste da caminhada de 6min). Todos os pacientes responderam ao Questionário de Fibrose Quística com Versão Revisada (QFQ-R).

Resultados

A maioria dos pacientes era do sexo masculino (57%), com mediana da idade de 24,5 anos (22-34 anos). Foram observadas correlações significantes de volume expiratório máximo no primeiro segundo, distância da caminhada dos 6 min, capacidade pulmonar total e resistência de vias aéreas com o alinhamento vertical do tronco (ρ = −0,57, p < 0,05; ρ = −0,65, p < 0,01; ρ = 0,54, p < 0,05; e ρ = 0,67, p < 0,01, respetivamente). Foram observadas correlações estatisticamente significantes entre o domínio «físico» do QFQ-R e o alinhamento vertical do tórax (ρ = −0,74, p < 0,01), e entre o domínio «limitações» do QFQ-R e o ângulo do quadril (ρ = −0,55, p < 0,05).

Conclusões

O presente trabalho mostra que as anormalidades na função pulmonar e na capacidade funcional se associam às alterações posturais em adultos portadores de FQ. Entretanto, a gravidade das anormalidades posturais não influenciam negativamente os domínios do QFQ-R.

Palavras-chave:
Fibrose quística
Provas de função respiratória
Balanço postural
Abstract
Aim

The purpose of this study was to evaluate the correlations within pulmonary function, functional capacity, and posture in adult patients with cystic fibrosis (CF). A secondary aim was to evaluate the correlation between patient quality of life and postural assessment variables.

Method

A cross-sectional study was conducted on fourteen patients with CF. Patients were subjected to a postural analysis (postural assessment software) and measurements of pulmonary function (spirometry, whole body plethysmography, and carbon monoxide diffusing capacity) and functional capacity (6-min walking test). All patients completed the Cystic Fibrosis Questionnaire-Revised (CFQ-R).

Results

Most patients were male (57%), and the median age of the patients was 24.5 (22–34). The forced expiratory volume in one second, the 6-min walking distance, total lung capacity, and airway resistance were significantly correlated with the vertical alignment of the chest (ρ = −0.57, P < 0.05; ρ = −0.65, P < 0.01; ρ = 0.54, P < 0.05; and ρ = 0.67, P < 0.01, respectively). The ‘physical’ domain of the CFQ-R was significantly correlated with the vertical alignment of the chest (ρ = −0.74, P < 0.01), and the ‘limitations’ domain of the CFQ-R was significantly correlated with the angle of the hip (ρ = −0.55, P < 0.05).

Conclusion

The present study shows that abnormalities in pulmonary function and functional capacity are associated with postural changes in adults with CF. However the severity of the postural abnormalities does not negatively influence the CFQ-R domains.

Keywords:
Cystic fibrosis
Respiratory function tests
Postural balance
Full Text
Introdução

A fibrose quística (FQ) é uma patologia de caráter autossómico recessivo que compromete o funcionamento de vários órgãos e sistemas do organismo1. A mediana de idade estimada de sobrevida para pessoas com FQ aumentou drasticamente nas últimas décadas, sendo estimada atualmente em 38 anos na maioria dos países desenvolvidos2. É possível que o diagnóstico precoce, o manejo multiprofissional em centros especializados e o acesso a uma terapêutica adequada tenham contribuído para esta mudança3.

As principais repercussões clínicas da FQ estão relacionadas com o comprometimento do aparelho respiratório, onde a presença de secreções espessas e infetadas desencadeia um processo inflamatório crónico. O declínio da função pulmonar sofre uma queda exponencial até configurar uma importante obstrução das vias aéreas com consequente insuflação pulmonar e aprisionamento aéreo4. Calcula-se que cerca de 90% dos pacientes morrem devido à progressão da patologia pulmonar5. Além do comprometimento pulmonar, a FQ acarreta alterações significativas em outros órgãos e sistemas que podem culminar em importante limitação física. Quando comparada com a população pediátrica, os adultos portadores de FQ apresentam maior prevalência de disfunção da musculatura esquelética, depleção nutricional, diabetes e depressão. Neste grupo de pacientes, também são comuns a osteoporose, as fraturas ósseas e o comprometimento articular3.

A postura é definida como um arranjo balanceado das estruturas corporais, sendo determinada pelo posicionamento de todos os segmentos do corpo em um dado momento6. Num alinhamento postural normal, espera-se que os músculos e articulações estejam em estado de equilíbrio e com quantidade mínima de esforço e sobrecarga7. A atitude postural do tórax insuflado pode levar a uma série de compensações na coluna vertebral e na cintura escapular e pélvica. Em adultos portadores de FQ, as deformidades da coluna vertebral são comuns, incluindo o aumento da cifose torácica e da lordose lombar8,9.

A biomecânica da caixa torácica influencia a mecânica corporal global. Dessa forma, qualquer anormalidade da caixa torácica poderá resultar em alterações na postura e no balanço de todo o corpo10. Conforme a patologia progride em pacientes com FQ, é possível que a insuflação e o aumento do trabalho respiratório causam um desequilíbrio muscular global devido às alterações dos mecanismos da respiração11. Dessa forma, é possível que todas essas alterações possam resultar numa redução da capacidade funcional. Tal conhecimento pode ser uma importante ferramenta no planeamento de exercícios terapêuticos mais apropriados em pacientes com FQ. Dessa forma, nosso objetivo foi avaliar as correlações entre função pulmonar, capacidade funcional e postura em pacientes adultos portadores de FQ. Como segundo objetivo, pretendeu-se avaliar a correlação entre a qualidade de vida (QV) e as variáveis obtidas na avaliação postural.

MétodosPacientes

No período entre setembro de 2011 e fevereiro de 2012, foi realizado um estudo transversal em que se avaliou 14 pacientes de FQ advindos da Policlínica Piquet Carneiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foram incluídos os pacientes adultos (idade superior ou igual a 18 anos) que tinham o diagnóstico clínico e laboratorial de FQ (teste do suor e/ou análise da mutação do ácido desoxirribonucleico - DNA). Foram utilizados os seguintes critérios de exclusão: incapacidade para realizar a avaliação funcional pulmonar ou o teste da caminhada dos 6 min (TC6M); presença de patologia neurológica, cardiovascular, metabólica, reumática ou vestibular; dor torácica aguda, história recente de hemoptise ou pneumotórax a pelo menos um ano antes do estudo; e infeção respiratória nas 4 semanas antes do estudo. A participação desses indivíduos ocorreu após o esclarecimento quanto ao objetivo do estudo e a assinatura do termo de consentimento, de acordo com as normas éticas vigentes. O protocolo foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Augusto Motta, sendo aprovado com o número de protocolo 010/11.

Medidas

Todos os pacientes responderam ao Questionário de Fibrose Quística com Versão Revisada (QFQ-R)12. Por meio desse instrumento, foram avaliados os seguintes domínios: físico, limitações, social, imagem corporal e respiratório. Os resultados de cada domínio variam de 0 a 100, sendo esse último a expressão de muito boa QV. Considera-se que os resultados superiores a 50 refletem boa QV11.

A análise postural foi realizada através do software de avaliação postural (SAPO), que foi desenvolvido por investigadores da Universidade de São Paulo e encontra-se disponível gratuitamente (www.sapo.incubadora.fapesp.br)14. Para realizar as fotografias, foram utilizadas as coordenadas dos pontos anatómicos demarcados com marcadores passivos (bolas de isopor com fita adesiva dupla face). Os seguintes pontos anatómicos foram identificados: trago direito e esquerdo; acrómio direito e esquerdo; espinha ilíaca ântero-superior direita e esquerda; trocânter maior do fémur direito e esquerdo; tuberosidade das tíbias direita e esquerda; maléolos laterais direito e esquerdo; e processo espinhoso da sétima vértebra cervical.

Através do equipamento Collins Plus Pulmonary Function Testing Systems (Warren E. Collins, Inc., Braintree, MA, EUA), foram realizadas as seguintes provas de função pulmonar: espirometria, pletismografia de corpo inteiro e medição da capacidade de difusão do CO (DLco). Todos estes testes seguiram a padronização da American Thoracic Society (ATS)15. Foram adotadas as equações de Pereira (espirometria) e Neder (volumes pulmonares e difusão) na interpretação dos parâmetros funcionais16–18. Nesse mesmo local, também foi realizado o teste da caminhada dos 6 min (TC6M) num corredor de 30 m. Foram calculados os preditos de cada paciente pelas equações de Gibbons et al.19, seguindo as recomendações da American Thoracic Society20.

Os dados foram descritos através da mediana e dos intervalos interquartis (percentis 25% e 75%), ou da frequência (percentagem). Como as variáveis foram consideradas de distribuição não normal pelo teste de Shapiro-Wilk, o estudo de correlação foi realizado através do teste de Spearman. As análises foram feitas através do programa SAS 6.11 software (SAS Institute, Inc., Cary, NC, EUA). Considerou-se significância estatística quando p < 0,05.

Resultados

Dos 38 pacientes elegíveis para avaliação, 14 completaram o estudo (fig. 1). Os dados antropométricos, função pulmonar, capacidade funcional e domínios do questionário de QV são mostrados na tabela 1. A mediana da distância no TC6M foi de 636,5 m (variação: 450-750 m), enquanto a mediana da porcentagem predita por Gibbons et al. para essa distância foi de 83,3 (67,6-92,3). Os dados da avaliação postural estão presentes na tabela 2.

Figura 1.

Diagrama mostrando as diferentes fases do processo de recrutamento.

(0.16MB).
Tabela 1.

Dados antropométricos, função pulmonar, capacidade funcional e domínios do Questionário de Fibrose Quística com Versão Revisada nos pacientes com fibrose quística

Variáveis  Valores 
Sexo (homens)  8 (57) 
Idade (anos)  24,5 (22–34) 
Altura (cm)  170 (160–170) 
Peso (kg)  54 (47,5–68,9) 
VEMS (% previsto)  54 (40,3–76,8) 
CVF (% previsto)  84 (59–88,8) 
VEMS/CVF (%)  57,5 (55,3–72) 
CPT (% previsto)  106,5 (102–121) 
VR (% previsto)  178 (148,3–273,5) 
VR/CPT (%)  48 (37,3–61,5) 
Rva (cmH2O/L/s)  2 (0,95–3,03) 
DLco (% previsto)  80,5 (71,8–89,3) 
DC6M (% previsto)  83,3 (67,6–92,3) 
Resultados QFQ-R
Físico  64,5 (55,2–77,1) 
Limitações  80 (70–86,7) 
Social  61,1 (55,6–87,5) 
Imagem corporal  77,8 (47,2–88,9) 
Respiratório  73,8 (59,5–88,1) 

Os resultados são expressos como mediana (intervalos interquartis) ou número (%).

CPT: capacidade pulmonar total; CVF: capacidade vital forçada; DC6M: distância da caminhada dos 6min; DLco: capacidade de difusão do CO; QFQ-R: Questionário de Fibrose Quística com Versão Revisada; Rva: resistência de vias aéreas; VEMS: volume expiratório máximo no primeiro segundo; VR: volume residual.

Tabela 2.

Dados obtidos através do software de avaliação postural nos pacientes com fibrose quística

Variáveis  Valores 
AHC (o2,80 (0,45–5,18) 
ACEIAP (o2,30 (1,70–2,80) 
AQD (o23,8 (16,4–32,6) 
AQE (o16,8 (13,1–24,8) 
VLDAHC (o8,55 (-3,55–15,4) 
VLDAVT (o2,15 (-1,03–5,58) 
VLDAVC (o15,0 (7,70–18,2) 
VLEAHC (o-5,60 (-11,0–3,03) 
VLEAVT (o8,26 (8,13–8,52) 
VLEAVC (o13,6 (4,6–19,6) 

Os resultados são expressos como mediana (intervalos interquartis).

ACEIAP: ângulo entre o acrómio e a espinha ilíaca ântero-superior; AHC: alinhamento horizontal da cabeça; AQD: ângulo do quadril direito; AQE: ângulo do quadril esquerdo; VLDAHC: vista lateral direita - alinhamento horizontal da cabeça; VLDAVC: vista lateral direita - alinhamento vertical do corpo; VLDAVT: vista lateral direita - alinhamento vertical do tórax; VLEAHC: vista lateral esquerda - alinhamento horizontal da cabeça; VLEAVC: vista lateral esquerda - alinhamento vertical do corpo; VLEAVT: vista lateral esquerda - alinhamento vertical do tórax.

Houve somente 2 correlações significantes entre os dados da avaliação postural e o questionário de QV. Estas correlações foram entre o domínio «físico» do QFQ-R e o alinhamento vertical do tórax (visão lateral direita) (ρ = −0,74, p < 0,01), e entre o domínio «‘limitações» do QFQ-R e o ângulo do quadril esquerdo (ρ = −0,55, p < 0,05). As correlações dos dados da avaliação postural com as variáveis de função pulmonar e capacidade funcional são mostradas na tabela 3 e figura 2. Foram observadas correlações negativas e significantes do volume expiratório máximo no primeiro segundo (VEMS) e da distância da caminhada dos 6 min (DC6M) com o alinhamento vertical do tórax (visão lateral direita). Foram notadas correlações positivas e significantes entre a capacidade pulmonar total (CPT) e o alinhamento vertical do tórax (visão lateral direita), e entre a resistência de vias aéreas (Rva) e o alinhamento vertical do tórax (visão lateral esquerda).

Tabela 3.

Coeficientes de correlação de Spearman entre os dados obtidos através do software de avaliação postural, função pulmonar e capacidade funcional em pacientes com fibrose quística

Variáveis  VEMS (%)  CVF (%)  VEMS/CVF (%)  CPT (%)  VR (%)  VR/CPT (%)  Rva (cmH2O/L/s)  DLco (%)  DC6M(%) 
AHC (o−0,25  −−0,01  −0,37  −0,05  −0,04  0,03  0,27  0,23  −0,19 
ACEIAP (o−0,28  −0,20  −0,01  0,03  0,36  0,41  0,02  −0,16  0,03 
AQD (o−0,26  −0,20  −0,22  −0,26  0,24  0,38  0,18  −0,36  −0,20 
AQE (o0,03  0,02  −0,11  −0,12  −0,07  0,06  0,05  −0,17  0,18 
VLDAHC (o0,15  −0,05  0,12  0,07  −0,06  −0,17  −0,01  −0,14  −0,18 
VLDAVT (o−0,11  0,04  −0,13  0,54*  0,39  0,20  0,08  0,08  −0,05 
VLDAVC (o−0,23  −0,09  −0,20  0,24  0,46  0,41  0,06  −0,27  0,14 
VLEAHC (o0,29  0,29  0,19  −0,13  −0,18  −0,25  −0,36  0,25  0,13 
VLEAVT (o−0,57*  −0,49  −0,52  −0,13  0,19  0,39  0,67**  −0,31  −0,65** 
VLEAVC (o−0,03  −0,18  −0,09  0,21  0,17  0,03  −0,09  −0,16  0,02 

* p<0,05; ** p<0,01.

ACEIAP: ângulo entre o acrômio e a espinha ilíaca ântero-superior; AHC: alinhamento horizontal da cabeça; AQD: ângulo do quadril direito; AQE: ângulo do quadril esquerdo; CVF: capacidade vital forçada; CPT: capacidade pulmonar total; Rva: resistência de vias aéreas; DC6M: distância da caminhada dos 6min; DLco: capacidade de difusão do CO; VEMS: volume expiratório máximo no primeiro segundo; VLDAHC: vista lateral direita - alinhamento horizontal da cabeça; VLDAVC: vista lateral direita - alinhamento vertical do corpo; VLDAVT: vista lateral direita - alinhamento vertical do tórax; VLEAHC: vista lateral esquerda - alinhamento horizontal da cabeça; VLEAVC: vista lateral esquerda - alinhamento vertical do corpo; VLEAVT: vista lateral esquerda - alinhamento vertical do tórax; VR: volume residual.

Figura 2.

Correlação entre o alinhamento vertical do tronco/vista lateral esquerda (VLEAVT) e a distância da caminhada dos 6min (DC6M) (ρ=−0,65, p<0,01). A correlação foi determinada através do teste de correlação de Spearman.

(0.05MB).
Discussão

A avaliação da postura em posição ortostática tem sido cada vez mais utilizada na prática clínica, pois, a partir da observação do alinhamento corporal, pode-se utilizá-la no planeamento e no acompanhamento do tratamento fisioterapêutico.

No presente estudo, 7 dos 10 valores angulares obtidos na avaliação fotográfica pelo protocolo do PAS mostraram-se em desacordo com os valores normais descritos por Ferreira et al.14. Em pacientes adultos com FQ, há vários mecanismos que podem justificar tais alterações posturais, incluindo a menor mineralização óssea, sendo a fratura um achado relativamente comum, e o aumento do trabalho da musculatura respiratória devido à insuflação pulmonar9. Os nossos dados, quando comparados com os observados em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crónica21, mostram um valor angular semelhante no alinhamento horizontal da cabeça (2,80 e 2,90, respetivamente). Apesar das diferenças nas faixas etárias, ambas as afeções possuem um mecanismo fisiopatológico de base semelhante (aprisionamento aéreo), o que justifica uma análise comparativa dos dados. O desalinhamento da cabeça pode ser explicado, pelo menos em parte, pela elevação do acrómio do mesmo lado, possivelmente pela tensão aumentada dos músculos do ombro22. Nas patologias pulmonares obstrutivas, essa modificação pode ser decorrente das alterações na mecânica pulmonar.

Na presente investigação, todas as correlações estatisticamente significativas das variáveis de função pulmonar foram observadas com o valor angular do alinhamento vertical do tórax, tanto na visão lateral direita quanto na visão lateral esquerda. O valor angular do alinhamento vertical do tórax tem como referências ósseas o acrómio e o trocânter maior. É possível que o encurtamento dos músculos acessórios (principalmente os peitorais e o esternocleidomastóideo), bem como da própria musculatura abdominal, justifiquem essas correlações. De forma interessante, Dunk et al.23 observaram que o plano sagital, de onde é extraído esse parâmetro, é o que melhor reflete a evolução clínica postural, pois nesse plano os valores angulares diferem de zero, enquanto no plano frontal tendem a zero (simetria).

Na FQ, quando se avaliam os volumes pulmonares estáticos e a Rva, o fenómeno mais marcante é o aprisionamento de ar consequente ao esvaziamento alveolar retardado. A CPT também pode estar aumentada como resultado da perda do recolhimento elástico. Outro mecanismo responsável pelo aumento da CPT é a amputação do tempo expiratório, de modo que a inspiração começa antes de terminada completamente a eliminação de ar nos pulmões24. Esses achados podem explicar as correlações positivas e estatisticamente significantes da CPT e da Rva com as modificações do alinhamento vertical do tronco.

Outro foco do nosso estudo foi a relação entre capacidade funcional e postura corporal. Testes mais simples e menos dispendiosos, como o TC6M, têm sido usados para avaliar a tolerância ao exercício em pacientes adultos com FQ, uma vez que a distância atingida no teste da caminhada permite uma estimativa da resposta individual no exercício máximo incremental25. O nosso estudo mostrou uma correlação negativa e significante entre a DC6M e o alinhamento vertical do tórax na avaliação postural. Esta correlação pode ser explicada através dos mecanismos de perda da estabilidade da parede torácica consequente à hiperinsuflação que, por sua vez, acarreta uma piora da capacidade funcional.

Há evidências de que a intolerância ao exercício em pacientes com FQ é multifatorial, sendo influenciada pela função pulmonar, estado nutricional e adesão ao tratamento, entre outros fatores25. Nestes pacientes, a diminuição da tolerância ao exercício limita a realização das atividades da vida diária e está associada a menor sobrevida26. Ziegler et al.27, num estudo com 88 portadores de FQ com idade igual ou superior a 10 anos, identificaram que 15% dos pacientes apresentaram dessaturação de oxigénio no TC6M. Conforme mostram nossos resultados, é possível que as alterações posturais possam também contribuir para a má performance durante o exercício. As deformidades posturais causam um desequilíbrio do sistema muscular que impede o movimento normal9. Isto sugere que programas de condicionamento e reeducação postural possam desempenhar um papel importante na limitação da capacidade de exercício em pacientes com FQ28,29.

As avaliações de QV são importantes para o planeamento e acompanhamento do tratamento, assim como para a identificação de fatores preditores de QV30. Em relação ao QFQ-R, os nossos achados corroboram os de Cohen et al.13 que avaliaram a qualidade de vida em pacientes com FQ, incluindo adultos. Ambos os estudos mostraram que o pior domínio avaliado foi o «social», facto este que pode estar relacionado com a percepção negativa dos pacientes quanto ao seu desempenho e inserção social. Vale ressaltar ainda que, no presente estudo, observamos apenas correlações inversas e significantes entre 2 domínios do QFQ-R («físico» e «limitações») e a avaliação postural. A associação entre performance funcional e QV é bem estabelecida na literatura. Devido à associação entre postura e performance funcional observada no nosso estudo, as anormalidades posturais podem ter um papel direto ou indireto na qualidade de vida relacionada com a saúde desses pacientes. São necessários novos estudos para avaliar os efeitos de exercícios posturais corretivos na QV dos pacientes com FQ e de outras patologias respiratórias crónicas.

É pertinente uma análise crítica dos resultados e das suas limitações. Esta investigação foi conduzida com um número relativamente pequeno de indivíduos e nós não utilizamos um grupo controle. Apesar destas limitações, este é o primeiro estudo a avaliar a relação entre os resultados da análise postural e os parâmetros de função pulmonar em pacientes adultos com FQ. Acreditamos que os nossos resultados trazem uma importante contribuição, uma vez que há poucos estudos sobre postura corporal neste grupo de pacientes. Estudos futuros poderão confirmar as nossas observações usando uma análise estatística mais detalhada com uma amostra maior, um grupo controle e o acompanhamento longitudinal desses indivíduos.

Em conclusão, o presente trabalho mostra que os pacientes adultos com FQ possuem importantes anormalidades posturais. O desalinhamento vertical do tórax correlaciona-se com as alterações nos parâmetros de função pulmonar, QV e capacidade funcional.

Responsabilidades éticasProteção dos seres humanos e animais

Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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Papel no estudo: Contribuições para a concepção e o projeto, revisão do artigo e aprovação final da versão do manuscrito.

Papel no estudo: Análise e interpretação dos dados, revisão do artigo e aprovação final da versão do manuscrito.

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