A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) apresenta um impacto crescente a nível mundial. Devido ao seu impacto sistémico, e porque constitui um importante fator de risco para outras comorbilidades crónicas, a DPOC não pode já ser considerada uma doença com envolvimento exclusivamente pulmonar.
ObjetivoDeterminar a frequência das comorbilidades em doentes com DPOC que são submetidos a um programa de reabilitação respiratória (PRR) e avaliar a influência das suas características basais, bem como das suas comorbilidades nos resultados do PRR.
MétodosO presente estudo incluiu todos os doentes com DPOC que foram admitidos na Unidade de Reabilitação Respiratória para um PRR. A resposta à reabilitação respiratória (RR) foi avaliada pela melhoria na tolerância ao exercício (prova de marcha de 6 min), na dispneia (índice de dispneia de Mahler) e na qualidade de vida relacionada com a saúde (questionário respiratório de St. George).
ResultadosForam incluídos 114 doentes com DPOC. A maioria dos doentes (96,5%) tinha pelo menos uma comorbilidade. As doenças metabólicas (71,1%), as doenças cardiovasculares (67,5%), outras patologias respiratórias (57,9%) e a ansiedade/depressão (21,1%) foram as mais prevalentes. Apresentaram melhoria na tolerância ao exercício, na qualidade de vida e na dispneia, respetivamente, 64,9, 64,9 e 51,1% dos doentes.
A globalidade dos resultados foi semelhante em todos os estadios da DPOC e em todos os subgrupos de comorbilidades. A análise por regressão logística demonstrou que a insuficiência respiratória e a doença coronária influenciaram negativamente a melhoria na qualidade de vida relacionada com a saúde, e que a ansiedade/depressão se relacionou com uma melhoria menos acentuada da dispneia.
ConclusãoA RR proporcionou melhoria nos doentes de todos os subgrupos de comorbilidades, salientando o papel fundamental do treino de exercício na reabilitação das doenças crónicas associadas à DPOC. Por outro lado, a presença de comorbilidades em doentes com DPOC, se clinicamente controladas, não deve impedir a sua inclusão na RR.
Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD) represents an increasing burden worldwide. COPD can no longer be considered a disease which only involves the lungs, its systemic consequences make it an important risk factor for other chronic comorbidities.
AimTo determine the frequency of comorbidities in patients with COPD undergoing a pulmonary rehabilitation program (PRP) and to evaluate the influence of baseline characteristics as well as comorbidities on the outcomes of PRP.
MethodsThe present study included all COPD patients that were admitted to a PRP in our unit. The response to PR was measured by the improvement in exercise tolerance (6minute walk test), dyspnea (Mahler's Dyspnea Index) and health status (St. George's Respiratory Questionnaire).
Results114 patients with COPD were included. Most patients (96,5%) had at least one comorbidity. Metabolic diseases (71.1%), cardiovascular diseases (67.5%), other respiratory conditions (57.9%) and anxiety/depression (21.1%) were the most prevalent ones. 64.9%, 64.9% and 51.1% of the patients improved in terms of exercise tolerance, quality of life and dyspnea, respectively.
The overall results were similar in all levels of the disease and in all comorbid subgroups. Logistic regression analysis showed that respiratory failure and ischemic heart disease negatively influenced improvement in health status and anxiety/depression predicted lower improvement in dyspnea.
ConclusionPR was associated with improvements in all comorbid subgroups of patients, underlining the important role of exercise training in rehabilitation of those chronic diseases associated with COPD. On the other hand, the presence of comorbidities in COPD patients, if clinically controlled, should not preclude access to PR.
A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é uma doença prevenível e tratável, embora continue a aumentar em todo o mundo1. Este aumento é atribuído, entre outros fatores, ao fumo do tabaco, principalmente nas mulheres, e ao envelhecimento geral da população2. A OMS prevê que a DPOC constitua a 3.a principal causa de mortalidade no mundo em 20303. As exacerbações e as comorbilidades contribuem para a gravidade individual da doença1.
A DPOC não afeta exclusivamente os pulmões, sendo uma doença sistémica mais complexa, com efeitos extrapulmonares significativos que contribuem para a sua gravidade, e está associada a outras doenças crónicas4–6. Estima-se que cerca de 2 terços dos doentes com DPOC tenham uma ou 2 comorbilidades7. A hipertensão arterial (HTA), a diabetes mellitus, a doença coronária, a insuficiência cardíaca, as infeções respiratórias e o cancro do pulmão são as comorbilidades mais frequentemente descritas em associação com a DPOC5. Estas doenças crónicas exercem um papel importante na morbilidade, influenciando a qualidade de vida relacionada com a saúde, os custos relacionados com a saúde e o prognóstico. Por fim, muitos doentes são mais propensos a morrer das comorbilidades do que pela própria DPOC8–10. Como foi recentemente evidenciado por Divo et al., algumas comorbilidades, como a doença coronária, as neoplasias (pulmonar, esofágica, pancreática e mamária), a ansiedade, as arritmias e a fibrose pulmonar intersticial, estão associadas de forma independente ao aumento do risco de morte11. Assim, o tratamento da DPOC não deve ser centrado exclusivamente no controlo sintomático e na prevenção das exacerbações, mas deve também ser dirigido às suas manifestações sistémicas e comorbilidades.
A reabilitação respiratória (RR) é uma intervenção não farmacológica que visa restaurar no doente a sua maior capacidade funcional e promover a reintegração social12,13. A RR está indicada quando os doentes se mantêm sintomáticos, apesar de terapêutica farmacológica adequada, em todos os graus de gravidade e em todos os escalões etários1. A RR deve ser considerada em doentes com dispneia (quando caminham no seu passo habitual ao nível do solo) e com limitações nas suas atividades da vida diária (AVD). A RR pode melhorar os sintomas, a qualidade de vida, a tolerância ao exercício e a participação emocional nas AVD, bem como diminuir a utilização dos recursos de saúde1,12.
ObjetivosO objetivo deste estudo foi determinar a prevalência das comorbilidades nos doentes com DPOC e avaliar a influência das características basais, assim como das comorbilidades nos resultados da RR.
MétodosSeleção dos doentesNeste estudo retrospetivo foram incluídos todos os doentes admitidos num PRR na Unidade de Reabilitação Respiratória nos últimos 5 anos.
O diagnóstico e a classificação espirométrica foram baseados nos critérios do GOLD. Os doentes com insuficiência respiratória crónica (IRC) foram classificados como GOLD IV.
Os processos clínicos foram analisados para a colheita de dados demográficos (idade, sexo e índice de massa corporal), dados clínicos (tabagismo, oxigenoterapia de longa duração [OLD], ventilação não invasiva [VNI]) e exames complementares de diagnóstico (imagiológicos, estudo funcional respiratório, gasometria).
As comorbilidades foram consideradas de acordo com os processos clínicos, que incluíam informação das diferentes especialidades médicas, e foram devidamente confirmadas pela lista medicamentosa e pelos exames complementares de diagnóstico, também disponíveis nos processos clínicos.
ComorbilidadesA comorbilidade é definida como a existência de outra condição médica crónica que existe em associação com a DPOC, não implicando uma relação causal.
Avaliou-se a frequência de cada doença crónica e das doenças associadas:
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cardiovasculares (HTA, insuficiência cardíaca/cor pulmonale, doença coronária, arritmia, doença cerebrovascular e doença vascular periférica),
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metabólicas (diabetes mellitus, dislipidémia, excesso de peso/obesidade),
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respiratórias (sequelas de tuberculose pulmonar, bronquiectasias, síndrome de apneia obstrutiva do sono, hipertensão pulmonar, doenças do interstício pulmonar, cancro do pulmão),
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patologia osteoarticular e
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ansiedade/depressão.
Os doentes foram agrupados de acordo com o número de comorbilidades (0, uma e mais do que uma).
Reabilitação respiratóriaTodos os doentes foram integrados em PRR após otimização da terapêutica farmacológica e/ou OLD e/ou VNI, e tiveram acesso aos seguintes componentes: educação para a autogestão da doença e para a modificação de fatores de risco, suporte psicossocial e nutricional, técnicas de fisioterapia respiratória e treino de exercício.
O PRR incluiu 8 semanas de treino de exercício, 3 vezes por semana, sob supervisão de um fisioterapeuta. A intensidade alvo do treino era de 80% da potência máxima atingida numa prova de esforço cardiorrespiratória realizada antes do início do PRR. O método de treino aplicado foi o contínuo, com um aumento progressivo do tempo e da intensidade da carga de acordo com o grau de dispneia (4-6 na escala de Borg modificada 0-10) e a monitorização dos sinais vitais, ou o treino intervalado nos doentes com dispneia mais intensa. Cada sessão de treino durava cerca de 30 a 45 min. Os doentes que se encontravam em OLD treinavam com oxigénio suplementar, de forma a manterem a saturação periférica de oxigénio de pelo menos 90%.
A presença de comorbilidades não implicou alterações relevantes do protocolo de treino. No entanto, nos doentes que referiam dispneia intensa durante as sessões de treino de exercício, optava-se por um aumento mais suave do incremento da carga ou pelo treino intervalado, em vez do treino contínuo. Algumas comorbilidades necessitavam de uma monitorização mais cuidadosa, como por exemplo: teste rápido da glicemia capilar em doentes com diabetes mellitus, ou monitorização cardíaca com ECG em doentes com arritmias.
A resposta ao PRR (diferença mínima clinicamente significativa [DMCS]) foi considerada pela melhoria na tolerância ao exercício (+ 30 min na prova de marcha de 6 min [PM6])14, na dispneia (+ 1 ponto no índice de dispneia de Mahler [IDM]) e na qualidade de vida relacionada com a saúde (− 4 pontos no questionário respiratório de St. George [QRSG])15,16. Considerou-se melhoria global quando esta se verificou nos 3 parâmetros referidos.
EstatísticaOs dados estão apresentados como média±desvio padrão para as variáveis contínuas, e como frequência e % para as variáveis categóricas.
A comparação das 2 variáveis foi feita através do teste do X2 para as variáveis nominais e do teste T de student para as variáveis quantitativas.
As variáveis significativas foram posteriormente avaliadas em modelo de regressão logística, considerando a DMCS na melhoria da PM6, do QRSG e do IDM como variáveis dependentes.
Todos os resultados foram considerados estatisticamente significativos para p ≤ 0,05.
A análise estatística foi realizada utilizando o software PASW (versão 18; SPSS inc., Chicago, Illinois, Estados Unidos).
ResultadosEste estudo incluiu 114 doentes com DPOC, correspondendo a cerca de 77,6% de todos os doentes admitidos na nossa unidade (fig. 1).
A maioria dos doentes era do sexo masculino (83,3%) e a idade média de 65,8±10,1. Cinco (4,4%), 35 (30,7%), 19 (16,7%) e 55 (48,2%) pertenciam ao estadio I, II, III e IV do GOLD, respetivamente. A média do FEV1 foi 45,8±16,9% do previsto. A maioria dos doentes (65%) tinha insuficiência respiratória (IR), sendo mais frequente a IR hipoxémica.
Quarenta e quatro (38,6%) doentes estavam sob OLD e 10 (8,8%) sob VNI (Apêndice, tabela 1).
A distribuição de acordo com o número e o grupo de comorbilidades é apresentado na figura 2. O excesso de peso/obesidade (63,2%) foi a comorbilidade mais prevalente, seguida da HTA (50,9%), das sequelas de tuberculose pulmonar (23,7%), da ansiedade/depressão (21,1%), da insuficiência cardíaca/cor pulmonale (20,2%), das bronquiectasias (20,2%), da dislipidémia (19,3%) e da doença coronária (12,3%) (Apêndice, tabela 2).
Entre os 114 doentes com DPOC, 20 não concluíram o PRR. As causas de abandono foram as exacerbações com necessidade de internamento, a doença psiquiátrica e a não adesão ao programa. Não se verificaram diferenças significativas nas características basais e nas comorbilidades entre o grupo de doentes que completou o PRR e o que o abandonou (Apêndice, tabelas 1 e 2).
Entre os doentes que concluíram o PRR, 64,9, 64,9 e 51,1% melhoraram para além da DMCS na PM6, no QRSG e no IDM, respetivamente (tabela 1). Apenas 10 (10,6%) doentes não melhoram em nenhum parâmetro e 24 (25,5%) apresentaram melhoria nos 3 parâmetros.
Não se verificou associação estatisticamente significativa entre o número de comorbilidades (0, uma e mais do que uma) e os resultados do PRR (tabela 1). Contudo, houve uma correlação significativa entre algumas características basais e algumas comorbilidades, com a melhoria da qualidade de vida relacionada com a saúde, a dispneia e a tolerância ao exercício.
A IR correlacionou-se inversamente com a melhoria na qualidade de vida relacionada com a saúde (p=0,001; OR=0,17) e com a melhoria global (p=0,025; OR=0,33). Estar sob OLD apresentou uma correlação inversa com a melhoria na dispneia (p=0,016; OR=0,313), a tolerância ao exercício (p=0,012; OR=0,32) e a melhoria global (p=0,05; OR=0,337). Os doentes com pressão arterial de dióxido de carbono baixa (p=0,016) e com pontuação basal no QRSG elevada (p=0,06) apresentaram uma melhoria mais evidente na tolerância ao exercício, e aqueles com menor DLCO melhoraram mais na tolerância ao exercício (p=0,032) e na dispneia (p=0,05) (Apêndice, tabela 3).
Quanto às comorbilidades, a doença coronária correlacionou-se com a melhoria na qualidade de vida relacionada com a saúde (p=0,003; OR=0,142), a ansiedade/depressão com a melhoria na dispneia (p=0,012; OR=0,247), as bronquiectasias correlacionaram-se positivamente com a melhoria na dispneia (p=0,04; OR=3,843), e a dislipidémia com a melhoria na tolerância ao exercício (p=0,013; OR=5,86) (Apêndice, tabela 4).
As variáveis significativas foram posteriormente avaliadas em modelo de regressão logística (tabela 2). A IR e a doença coronária influenciaram negativamente a melhoria na qualidade de vida relacionada com a saúde. A ansiedade/depressão relacionou-se com uma melhoria menos acentuada na dispneia.
Factores preditivos dos resultados do PRR
Variáveis dependentes | Variáveis | B | SE | OR | 95% IC | p | |
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Inferior | Superior | ||||||
Melhoria na tolerância ao exercício | OLD | − 0,452 | 0,616 | 0,636 | 0,190 | 2,121 | 0,463 |
Dislipidémia | 1,520 | 0,823 | 4,573 | 0,911 | 22,954 | 0,065 | |
FEV1/FVC | − 0,049 | 0,028 | 0,952 | 0,902 | 1,005 | 0,073 | |
DLCO | − 0,017 | 0,016 | 0,983 | 0,952 | 1,014 | 0,279 | |
Melhoria na qualidade de vida | IR | − 1,1588 | 0,608 | 0,204 | 0,062 | 0,673 | 0,009 |
Doença coronária | − 1,632 | 0,747 | 0,196 | 0,045 | 0,846 | 0,029 | |
Melhoria na dispneia | OLD | − 1,463 | 0,754 | 0,232 | 0,053 | 1,015 | 0,52 |
Bronquiectasias | 1,959 | 1,126 | 7,090 | 0,780 | 64,477 | 0,082 | |
Ansiedade/Depressão | − 2,357 | 0,921 | 0,095 | 0,016 | 0,576 | 0,011 | |
PaCO2 | 0,119 | 0,067 | 1,127 | 0,988 | 1,285 | 0,076 | |
DLCO | − 0,016 | 0,018 | 0,984 | 0,949 | 1,020 | 0,373 | |
QRSG | 0,03 | 0,025 | 1,031 | 0,982 | 1,082 | 0,224 | |
Melhoria global | OLD | − 0,580 | 0,715 | 0,56 | 0,138 | 2,275 | 0,417 |
IR | 0,778 | 0,631 | 0,459 | 0,133 | 1,582 | 0,218 |
DLCO: capacidade de difusão do monóxido de carbono; FEV1: volume expiratório forçado no 1.° segundo; FVC: capacidade vital forçada; IR: insuficiência respiratória; OLD: oxigenoterapia de longa duração; PaCO2: pressão arterial de dióxido de carbono; QRSG: questionário respiratório de St. George.
Este estudo confirma que as comorbilidades são prevalentes nos doentes com DPOC referenciados aos PRR. Outros autores, como Mapel et al., descreveram uma média de 3,7 comorbilidades em doentes com DPOC, comparado com 1,8 em indivíduos saudáveis17.
As comorbilidades mais frequentemente associadas à DPOC foram as cardiovasculares, as outras patologias respiratórias e a ansiedade/depressão, em linha com o descrito na literatura5,11. A seguir ao excesso de peso/obesidade, a HTA foi a segunda comorbilidade mais prevalente no nosso grupo de doentes, enquanto, no trabalho de Divo et al., foi a mais frequente. Por outro lado, um número significativo dos nossos doentes apresentava comorbilidades que foram associadas a um maior risco de mortalidade por estes autores, como a insuficiência cardíaca, a doença coronária e a ansiedade11.
A associação com a doença cardiovascular é já conhecida18. O FEV1 é um fator preditivo de morte por enfarte do miocárdio. A rigidez arterial sistémica é um fator preditivo importante de doença vascular19 e está aumentada na DPOC. A presença de inflamação sistémica estimula a aterosclerose coronária, resultando em isquémia. Assim, a DPOC é um fator de risco independente para a doença coronária18.
Cerca de 40 a 50% dos indivíduos dos países industrializados com 60 ou mais anos de idade apresentam critérios diagnósticos de síndrome metabólica20. Esta síndrome representa um conjunto de fatores de risco (obesidade abdominal, dislipidémia aterogénica, HTA e resistência à insulina) que predispõem os doentes à inflamação sistémica, à doença cardiovascular e à inatividade física, e frequentemente coexistem com a DPOC20–22.
Outras patologias respiratórias foram identificadas nos nossos doentes. A elevada frequência de sequelas de tuberculose pulmonar e de bronquiectasias reflete o facto de a tuberculose pulmonar ainda ser comum em Portugal, apesar de ter diminuído nas últimas décadas23,24. Por outro lado, a prevalência da síndrome de apneia obstrutiva do sono deve-se, provavelmente, ao facto de grande parte da população estudada ter excesso de peso.
A ansiedade/depressão é uma comorbilidade altamente prevalente na DPOC. Hill et al. também verificaram que mais de 42% dos doentes com DPOC apresentavam sintomas de ansiedade/depressão25. Sabe-se que a ansiedade/depressão está relacionada com o grau de dispneia e com a sensação de incapacidade nos doentes com DPOC. A dispneia é o sintoma mais perturbador e, como forma de o evitar, o doente diminui a sua atividade física. O sedentarismo condiciona um menor envolvimento emocional e físico nas atividades da vida diária, o isolamento social e o agravamento da qualidade de vida relacionada com a saúde. A ansiedade/depressão associa-se a maior morbilidade da DPOC, pior qualidade de vida, com mais dispneia e com maior utilização dos recursos de saúde e, até mesmo, maior mortalidade26. Estudos anteriores relatam um impacto negativo da ansiedade/depressão na PM6 e na qualidade de vida27,28. Da mesma forma, demonstramos que doentes ansiosos/deprimidos integrados em PRR apresentam uma melhoria menos acentuada na dispneia.
Os doentes com doença coronária referem um menor ganho na qualidade de vida relacionada com a saúde com o PRR. Crisafulli et al. demonstraram que a patologia cardíaca apresenta uma relação inversa com a melhoria na qualidade de vida relacionada com a saúde29. A dispneia, a fadiga e a diminuição da força muscular podem justificar a menor qualidade de vida nesses doentes. Vanfleteren et al. descreveram que as alterações isquémicas no ECG são comuns nos doentes com DPOC e estão associadas a piores resultados nos PRR30. No entanto, a reabilitação tem benefícios bem conhecidos nos doentes com doença coronária e insuficiência cardíaca, como a melhoria na capacidade funcional, no prognóstico e no bem-estar31.
A prevalência de, pelo menos, uma comorbilidade foi maior (96,5%) no nosso grupo do que o relatado em outros estudos (65%, Crisafulli 200829), mas semelhante ao documentado por Mapel (apenas 6% dos doentes com DPOC não tinham outra patologia associada17). A elevada prevalência de comorbilidades na nossa população pode ser explicada pelo facto de a maioria dos doentes ter um historial de tabagismo, uma idade média superior a 60 anos e um predomínio do grau IV de DPOC, todos fatores que contribuem para uma inflamação sistémica mais pronunciada. A inflamação sistémica é um mecanismo potencialmente comum às consequências sistémicas da DPOC e às suas comorbilidades5,32–35.
Os resultados do PRR foram semelhantes em todos os grupos de comorbilidades (0, uma e mais do que uma), contrariamente ao relatado por Crisafulli29, que descreveu benefícios na dispneia e na qualidade de vida mais notórios nos doentes com menos comorbilidades. Contudo, deve-se salientar que o presente estudo tem uma limitação quanto ao número de doentes sem comorbilidades. Este grupo é muito pequeno, havendo uma diferença significativa entre os subgrupos de comorbilidades (4 doentes – 0 comorbilidades, 15 doentes – uma comorbilidade, 95 doentes – mais do que uma comorbilidade), o que não permite concluir sobre o impacto concreto do número das comorbilidades nos resultados do PRR na população estudada. Esta limitação poderá ser ultrapassada com uma maior amostra de doentes.
Quase metade (48,2%) dos nossos doentes pertencia ao GOLD IV e apenas 16,7% ao GOLD III. Apesar de esta não ser a distribuição usual dos graus de gravidade nos PRR na maioria dos centros, esta diferença pode ser explicada pelo facto de a nossa unidade de RR também admitir doentes após exacerbações com IR (65%). Os autores incluíram os doentes com IRC no GOLD IV, tal como seriam classificados nos critérios do GOLD anteriores a 2011. Embora o nosso grupo apresente um predomínio de doentes em estadio IV do GOLD, não existiram diferenças estatisticamente significativas nos resultados relativos aos vários graus espirométricos, refletindo os benefícios da RR em todos os graus de gravidade.
Assinalamos que a população estudada é composta por 83% de doentes do sexo masculino e que esta não é a distribuição típica por géneros nos PRR. No entanto, a DPOC em Portugal é mais prevalente nos homens (18,7 versus 10,5%)36. Neste estudo, as comorbilidades (tanto em número como em tipo) não diferiram entre os doentes do sexo masculino e os do sexo feminino (dados não apresentados).
Algumas das características basais correlacionaram-se com os resultados. Os doentes com IR apresentaram um menor ganho na qualidade de vida relacionada com a saúde. A hipoxémia pode condicionar um limiar anaeróbio diminuído durante o exercício, o que determina um aumento precoce da frequência respiratória, com consequente aumento na hiperinsuflação dinâmica, um maior grau de dispneia e uma maior limitação nas AVD, o que, por sua vez, promove o descondicionamento e o sedentarismo37,38.
Apesar das correlações descritas, os doentes com DPOC e outras doenças crónicas não são maus candidatos à RR e tal não significa necessariamente que irão ter menor benefício. Todos os doentes podem beneficiar da RR, que é uma abordagem terapêutica holística para a DPOC, e os benefícios do treino de exercício nas várias comorbilidades estão bem documentados39.
ConclusõesNos doentes com DPOC, as comorbilidades são fatores determinantes na qualidade de vida relacionada com a saúde e no prognóstico.
O nosso estudo confirma que a maioria dos doentes referenciados a um PRR apresenta uma ou mais comorbilidades, incluindo metabólicas, cardiovasculares, respiratórias, ansiedade/depressão e patologia osteoarticular.
A abordagem de doentes com DPOC deve incluir a identificação ativa das comorbilidades associadas, de forma a otimizar a estratégia terapêutica. A RR é uma abordagem holística direcionada não só para o controlo dos sintomas respiratórios, mas também para os efeitos sistémicos.
Apesar de algumas patologias como a IR e a doença coronária poderem diminuir o impacto dos benefícios da reabilitação, este estudo salienta que as comorbilidades, tanto isoladas como em combinação, se clinicamente controladas, não impedem o acesso à reabilitação.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
AutoriaAlexandra Carreiro colheu e analisou os dados (incluindo a análise estatística) e elaborou o projeto do artigo. Joana Santos colheu e analisou os dados e colaborou na elaboração do artigo. Fátima Rodrigues concebeu o estudo, fez colheita dos dados, realizou a sua análise e supervisionou todos os aspetos do estudo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.