Journal Information
Vol. 20. Issue 1.
Pages 5-11 (January - February 2014)
Visits
13370
Vol. 20. Issue 1.
Pages 5-11 (January - February 2014)
Artigo original
Open Access
Comorbilidades em doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica estádio IV
Co-morbidities in patients with gold stage 4 chronic obstructive pulmonary disease
Visits
13370
V. Areiasa,
Corresponding author
vandareias@hotmail.com

Autor para correspondência.
, S. Carreirab, M. Anciãesb, P. Pintoc, C. Bárbarad
a Serviço de Pneumologia, Hospital de Faro, Faro, Portugal
b Serviço de Pneumologia II, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Hospital Pulido Valente, Lisboa, Portugal
c Serviço de Pneumologia II, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Hospital Pulido Valente, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
d Serviço de Pneumologia I e II, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
This item has received

Under a Creative Commons license
Article information
Abstract
Full Text
Bibliography
Download PDF
Statistics
Figures (3)
Show moreShow less
Tables (2)
Tabela 1. Características demográficas e clínicas dos doentes
Tabela 2. Descrição das comorbilidades
Show moreShow less
Resumo
Introdução

A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) está associada a várias comorbilidades, contudo, a prevalência das mesmas varia entre os estudos.

Objetivo

Determinar a prevalência das diversas comorbilidades em doentes com DPOC estádio IV do The Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) 2010, seguidos em regime de ambulatório, num hospital universitário.

Métodos

Foi concebido e aplicado um questionário com o objetivo de caracterizar a DPOC e suas comorbilidades. Os dados foram completados por consulta do processo clínico.

Resultados

Foram incluídos 89 doentes (87% do género masculino), com média etária de 68 anos, 79% dos quais ex-fumadores. O valor de volume expiratório máximo por segundo (VEMS) médio foi de 38% do previsto e todos os doentes apresentavam insuficiência respiratória crónica. Trinta e cinco doentes (39%) apresentavam exacerbações frequentes.

Trinta e sete doentes (42%) tinham apresentado pelo menos um internamento por exacerbação da sua doença respiratória no ano anterior e 66 doentes (74%) nos últimos 5 anos.

A maioria dos doentes (97%) apresentava pelo menos uma comorbilidade, com uma média de 4 comorbilidades por doente e um índice de Charlson médio de 2.

As comorbilidades mais frequentes foram doenças cardiovasculares (69%), patologia osteoarticular (51%), disfunção erétil (48%), síndrome da apneia do sono (43%), dislipidémia (35%), cataratas (31%), refluxo gastro-esofágico (29%) e diabetes (20%).

Os exacerbadores frequentes apresentaram um risco aumentado de terem 2 ou mais comorbilidades (Odds ratio de 5), bem como uma maior prevalência de refluxo gastro-esofágico (p=0,006) e um maior número de internamentos no último ano e nos 5 anos anteriores (p <0,001).

Conclusão

Este estudo confirmou a elevada prevalência e a associação de comorbilidades em doentes com DPOC GOLD estádio IV, justificando a necessidade de uma abordagem terapêutica abrangente e integradora.

Palavras-chave:
Doença pulmonar obstrutiva crónica
Comorbilidades
Exacerbação
Abstract
Introduction

Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD) is associated with several co-morbidities, however their prevalence varies from one study to another.

Aim

To determine the prevalence of several co-morbidities in patients with COPD severity score GOLD 4 (The Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease, 2010) followed in ambulatory care, in a University Hospital.

Methods

A questionnaire was designed and carried out in order to characterize COPD and its co-morbidities. Clinical files were consulted in order to complete the data.

Results

89 patients (87% male) with a mean age of 68 years old, of which 79% were ex-smokers, were included. The average value of FEV1 (forced expiratory volume in one second) was 38% of the expected values and all the patients presented chronic respiratory failure. Thirty-five patients (39%) were frequent exacerbators.

Thirty-seven patients (42%) had been hospitalized at least once due to exacerbation of their respiratory disease in the previous year, and 66 patients (74%) hospitalized in the previous five years.

Most of the patients (97%) presented at least one comorbidity, with an average of 4 co-morbidities per patient and an average Charlson index of 2.

The most frequent co-morbidities were cardiovascular diseases (69%), osteoarticular pathology (51%), erectile dysfunction (48%), sleep apnoea syndrome (43%) dyslipidaemia (35%), cataracts (31%), gastroesophageal reflux (29%) and diabetes (20%).

Frequent exacerbators presented an increased risk of having two or more co-morbidities (Odds Ratio of 5), as well as a higher prevalence of gastroesophageal reflux (p=0.0006) and more hospitalizations in the last year and in the previous 5 years (p <0.001).

Conclusion

This study confirmed the high prevalence and the association of co-morbidities in patients with COPD severity score GOLD 4, thus justifying the need for a comprehensive and integrating therapeutic approach.

Keywords:
Chronic obstructive pulmonary disease
Co-morbidities
Exacerbation
Full Text
Introdução

A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é uma doença prevenível e tratável, caracterizada por limitação do fluxo aéreo, que normalmente é progressiva e associada a uma resposta inflamatória aumentada das vias aéreas e pulmão a partículas nocivas ou gases. As exacerbações e comorbilidades contribuem para a gravidade global em alguns doentes1. Neste sentido tem havido um interesse crescente da comunidade científica em caracterizar as comorbilidades associadas à DPOC.

O mecanismo fisiopatológico que relaciona a DPOC e as diversas comorbilidades não se encontra totalmente esclarecido. A elevada prevalência de comorbilidades em doentes com DPOC parece ser multifatorial e estar relacionada com a idade, efeitos sistémicos do tabaco e efeitos adversos de alguns fármacos2,3. Para além disso, a inflamação sistémica da DPOC poderá ainda representar o mecanismo de ligação entre a DPOC e algumas comorbilidades1,2,4.

As comorbilidades mais frequentemente associadas são doenças cardiovasculares, diabetes mellitus, osteoporose, depressão e neoplasia do pulmão3–5.

O objetivo deste estudo foi determinar a prevalência de diversas comorbilidades em doentes com DPOC estádio IV do GOLD, seguidos em ambulatório e determinar a sua relação com exacerbações e internamentos.

Material e métodosAmostra

Estudo transversal, com análise retrospetiva. Os doentes foram incluídos de forma consecutiva entre 15 de julho de 2010 e 31 de dezembro de 2010.

Como critérios de inclusão, os doentes tinham que ter o diagnóstico de DPOC muito grave, definida por uma relação do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEMS)/capacidade vital forçada (CVF) pós-broncodilatação ≤0,70 e VEMS < a 30% do previsto ou entre 30-50% do previsto acompanhado de insuficiência respiratória crónica (critério GOLD 2010)1. Os doentes eram seguidos em regime de ambulatório na sala de ventilação eletiva, hospital de dia de insuficientes respiratórios e unidade de reabilitação.

Desenho do estudo

Foi concebido um questionário para caracterizar a DPOC e as comorbilidades. O questionário foi aplicado por um médico a todos os doentes por entrevista pessoal ou telefónica para caraterizar a doença e as suas comorbilidades. Os dados foram complementados por consulta do processo clínico.

Neste questionário avaliavam-se múltiplas variáveis: dados demográficos, hábitos tabágicos, sintomas respiratórios, grau de dispneia avaliado pelo índice de dispneia do Medical Research Council (MRC)6, gravidade da obstrução brônquica, comorbilidades, medicação realizada, exacerbações no último ano, número de internamentos no último ano e nos 5 anos prévios.

O registo das comorbilidades foi complementado com a consulta do processo clínico. Para determinação das comorbilidades consideraram-se as respostas do doente no questionário, as que constavam no processo clínico ou que correspondiam à medicação que este efetuava. As comorbilidades foram quantificadas utilizando o índice de Charlson8-10.

Não existe um consenso sobre a definição de comorbilidade, havendo divergência resultante de dificuldades em estabelecer se se está perante uma única doença ou 2 ou mais doenças distintas7. De acordo com Rosin et al.7, definiu-se comorbilidade como a presença de uma ou mais doenças, para além da DPOC, que podiam ser causadas ou estar diretamente relacionadas com esta, independentemente de constituírem parte do espectro da história natural da DPOC.

Considerou-se exacerbação como agudização da doença respiratória com necessidade de prescrição de antibiótico e/ou corticoides sistémicos, tal como Hurst et al.11 a definiram. De acordo com os mesmos autores, exacerbadores frequentes foram os doentes que tiveram 2 ou mais exacerbações no último ano11.

Análise estatística

Todas as variáveis foram testadas relativamente à sua distribuição normal mediante o histograma de frequências e teste de Kolmogorov-Smirnov. A diferença entre 2 médias foi determinada utilizando o teste T-student ou Mann-Whitney. Quando as variáveis apresentavam uma distribuição normal utilizou-se o teste T-student; se pelo contrário esta não fosse normal usou-se o Mann-Whitney. Proporções e variáveis categóricas foram analisadas com o teste do Qui-quadrado ou de Fisher, quando adequado. Considerou-se estatisticamente significativo um valor p <0,05.

Os dados foram analisados estatisticamente com o software PASW (version 18; SPSS inc., Chicago, IL, EUA).

Resultados

No nosso estudo foram incluídos 89 doentes, apresentando uma média etária de 68±9 anos e sendo a maioria do género masculino (86,5%) (tabela 1). A média de idades no sexo masculino foi significativamente superior à do sexo feminino (69 versus 61 anos, p=0,007).

Tabela 1.

Características demográficas e clínicas dos doentes

  Total (n=89)  Homens (n=77)  Mulheres (n=12)  Valor p 
Idade  67,6±9,4  68,8±9,1  61,2±10,2  0,007* 
Hábitos tabágicos        0,55 
Fumadores (%)  14 (15,7)  11 (14,3)  3 (25)   
Ex-fumadores (%)  70 (78,7)  62 (80,5)  8 (66,7)   
Não fumadores (%)  5 (5,6)  4 (5,2)  1 (8,3)   
Carga tabágica (UMA)  60±31,2  61,4±30,2  43±26,8  0,01* 
Índice de massa corporal (Kg/m2)  28,0±5,5  27,9±5,6  28,6±5,2  0,89 
Índice de dispneia – MRC  2,9±1,3  3,0±1,3  2,3±1,3  0,71 
Tosse crónica e expetoração (%)  43 (48,3)  36 (46,8)  7 (58,3)  0,46 
VEMS% do previsto  38,1±13,9  36,5±12,4  49,2±19,1  0,055** 
Insuficiência respiratória        0,75 
Parcial (%)  18 (20,2)  13 (16,9)  5 (41,7)   
Global (%)  71 (79,8)  64 (83,1)  7 (58,3)   
Oxigénio de longa duração (%)  66 (74,2)  59 (76,6)  7 (58,3)  0,50 
BiPAP (%)  62 (69,7)  55 (71,4)  7 (58,3)  0,28 
Exacerbação no último ano (%)  54 (60,7)  47 (61)  7 (58,3)  0,55 
Número de exacerbações no último ano  1,4±1,5  1,3±1,5  1,5±1,7  0,77 
Internamento no último ano, por exacerbação da doença respiratória (%)  37 (41,6)  31 (40,3)  6 (50)  0,55 
Internamento nos últimos 5 anos, por exacerbação da doença respiratória (%)  66 (74,1)  54 (74)  9 (75)  1,00 
Exacerbadores frequentes (%)  35 (39,3)  30 (39)  5 (41,7)  1,00 

Dados apresentados em número (%) e média ± SD.

BiPAP: Bi-level Positive Airway Pressure; FEV1: volume expiratório forçado no 1.° segundo; MRC: Medical Research Council; UMA: unidades maço ano.

*

Teste Mann-Whitney.

**

Teste T-Student.

Relativamente aos hábitos tabágicos, 78,7% eram ex-fumadores e 15,7% ainda mantinham hábitos tabágicos. A carga tabágica média foi de 60 unidades maço ano (UMA). As mulheres apresentavam em média uma carga tabágica inferior à dos homens (43 versus 61UMA, p=0,01) (tabela 1).

Setenta e cinco doentes (84,3%) apresentavam pelo menos um sintoma respiratório (tosse, expetoração, dispneia ou pieira) na maioria dos dias e 48,3% apresentavam tosse e expetoração crónica (tabela 1).

Todos os doentes pertenciam ao estádio IV do GOLD, com um VEMS médio de 38,1% do previsto, apresentando todos insuficiência respiratória crónica. As mulheres tinham um VEMS médio mais elevado (49,2 versus 37% do previsto, p=0,055) (tabela 1).

A maioria dos doentes (86,6%) referia pelo menos uma comorbilidade, com uma média de 3,9 comorbilidades por doente, sendo que 83,1% tinham 2 ou mais comorbilidades (tabela 2 e fig. 1). O índice de Charlson médio foi de 1,9, passando a 4,2 quando ajustado à idade (tabela 2). Na comparação entre géneros, observou-se uma maior proporção de homens com pelo menos 2 comorbilidades (88,3% dos homens versus 50% das mulheres) (p=0,004) e com índice de Charlson de pelo menos 2 (55,8% dos homens versus 25% das mulheres) (p=0,047) (tabela 2).

Tabela 2.

Descrição das comorbilidades

  Total (n=89)  Homens (n=77)  Mulheres (n =12)  Valor p 
Comorbilidades  3,9±2,4  4,1±2,4  3,1±2,6  0,11 
Índice de Charlson  1,8±1,2  1,9±1,0  1,7±1,5  0,19 
Índice de Charlson ajustado à idade  4±1,4  4,3±1,5  3,5±1,7  0,043* 
Doentes com ≥2 comorbilidades (%)  74 (83,1)  68 (88,3)  6 (50)  0,004** 
Índice de Charlson ≥2 (%)  46 (51,7)  43 (55,8)  3 (25)  0,047*** 
Doença cardiovascular (%)  61 (68,5)  54 (70,1)  7 (58,3)  0,51 
Hipertensão arterial (%)  51 (57,3)  46 (59,7)  5 (41,7)  0,24 
Cardiopatia isquémica (%)  16 (18)  15 (19,5)  1 (8,3)  0,69 
Arritmia (%)  16 (18)  15 (19,5)  1 (8,3)  0,69 
Insuficiência cardíaca congestiva (%)  4 (4,5)  4 (5,2)  1,0 
AVC (%)  4 (4,5)  4 (5,2)  1,0 
Tromboembolismo pulmonar (%)  1 (1,1)  1 (8,3)  0,13 
Patologia osteoarticular (%)  45 (50,6)  42 (54,5)  3 (25)  0,06 
Disfunção erétil (%)    37 (48,7)     
Síndroma da apneia do sono (%)  38 (42,7)  32 (41,6)  6 (50)  0,58 
Dislipidémia (%)  31 (34,8)  26 (33,8)  5 (41,7)  0,75 
Cataratas (%)  28 (31,5)  26 (33,8)  2 (16,7)  0,32 
Refluxo gastro-esofágico (%)  26 (29,2)  22 (28,6)  4 (33,3)  0,74 
Diabetes mellitus (%)  18 (20,2)  16 (20,8)  2 (16,7)  1,00 
Depressão (%)  14 (15,9)  9 (11,7)  5 (45,5)  0,013** 
Neoplasia (%)  12 (13,5)  10 (13)  2 (16,7)   
Neoplasia do pulmão (%)  3 (3,4)  3 (3,9)  1,00 
Outras (%)  9 (10,1)  7 (9,1)  2 (16,7)  0,35 
Anemia (%)  5 (5,6)  5 (6,5)  1,00 
Úlcera péptica (%)  4 (4,5)  3 (3,9)  1 (8,3)  0,75 
Patologia da tiroide (%)  4 (4,5)  2 (2,6)  2 (16,7)  0,09 
Glaucoma (%)  3 (3,4)  2 (2,6)  1 (8,3)  0,36 
Doença renal crónica (%)  2 (2,2)  2 (2,6)  1,00 

Dados apresentados em número (%) e média ± SD.

AVC: acidente vascular cerebral.

*

Teste Mann-Whitney.

**

Teste Fisher.

***

Teste do Qui-quadrado.

Figura 1.

Frequência das comorbilidades.

(0.07MB).

Conforme se pode constatar na tabela 2, as comorbilidades mais frequentes foram as doenças cardiovasculares (68,5%) e dentro desta patologia a mais prevalente foi a hipertensão arterial (57,3%), seguida da cardiopatia isquémica (18%), da arritmia (18%) e insuficiência cardíaca (4,5%). Depois da patologia cardiovascular, as doenças mais frequentes foram: patologia osteoarticular (50,6%), disfunção erétil (48%), síndrome da apneia do sono (42,7%), dislipidémia (34,8%), cataratas (31,5%), refluxo gastro-esofágico (29,2%), diabetes mellitus (20,2%), depressão (15,7%) e neoplasias (13,5%). Dos doentes com neoplasia, 3,4% correspondiam a neoplasias do pulmão e 10,1% eram uma miscelânea de carcinomas (laringe, bexiga, fígado, próstata e mama).

Com exceção da depressão, que foi mais prevalente no sexo feminino (45,5 versus 11,7%, p=0,013), não se observaram diferenças estatisticamente significativas na distribuição das restantes comorbilidades entre género.

Cinquenta e quatro doentes (60,7%) tinham apresentado pelo menos uma exacerbação da sua doença respiratória no último ano e destas 49,6% necessitaram de internamento. Sessenta e seis doentes (74,1%) tinham tido pelo menos um internamento por agravamento da DPOC nos 5 anos prévios (tabela 1).

Trinta e cinco doentes (39,3%) foram classificados como exacerbadores frequentes, ou seja, tinham apresentado pelo menos 2 exacerbações no último ano (tabela 1) e apresentavam um risco aumentado de terem 2 ou mais comorbilidades (Odds ratio 5,2, p=0,024) (fig. 2).

Figura 2.

Relação entre exacerbações frequentes e comorbilidades.

OR: Odds ratio.

(0.05MB).

Observou-se uma associação entre exacerbadores frequentes e refluxo gastro-esofágico (Odds ratio 3,7, p=0,006) (fig. 3).

Figura 3.

Relação entre exacerbações e refluxo gastro-esofágico.

OR: Odds ratio.

(0.06MB).

Dos 43 doentes com tosse e expetoração crónica, 51,2% eram exacerbadores frequentes, comparando com 28,3% dos doentes que não apresentavam estes sintomas (p=0,027).

Os exacerbadores frequentes tiveram também um maior número de internamentos no último ano (1,2±1,2 versus 0,2±0,4) e nos 5 anos prévios (3,1±2,7 versus 1,4±1,2) (p <0,001).

Discussão

Os resultados deste estudo confirmam que a DPOC está associada a diversas comorbilidades, tal como documentado noutros estudos1,5,12–15.

Observámos um predomínio do género masculino, o que pode refletir uma menor prevalência do tabagismo nos anos 50-60 entre as mulheres, em Portugal.

No nosso estudo encontrámos várias diferenças relacionadas com o género. As mulheres apresentavam uma menor exposição ao tabaco para o mesmo grau de obstrução e eram mais jovens, sugerindo que estas possam ser mais suscetíveis aos efeitos do fumo do tabaco. Esta observação já foi descrita por outros autores12,16.

Apesar de todos os doentes se encontrarem no estádio IV do GOLD, as mulheres apresentavam, em relação aos homens, um VEMS médio mais elevado, sendo uma possível explicação o facto de estas serem em média mais novas, refletindo a relação entra a idade e o grau de obstrução, tal como Fletcher e Peto sugeriram17.

As comorbilidades mais frequentes foram as doenças cardiovasculares. O mecanismo pelo qual a DPOC pode conduzir a eventos cardiovasculares não se encontra totalmente esclarecido. O tabaco é um fator de risco comum a ambas doenças, contudo, parece haver uma associação entre DPOC e doença cardiovascular independente deste fator de risco15. Os estudos apontam para o facto da inflamação das vias aéreas se poder difundir para a circulação sistémica, promovendo um estado de inflamação sistémica persistente de baixo grau, que em conjunto com outros fatores de risco conduz à formação de placas e sua rutura18.

De realçar a prevalência de doentes com DPOC e carcinoma do pulmão (3,4%). A DPOC é um fator de risco independente para o desenvolvimento de neoplasia do pulmão, aumentando o seu risco em 2-5 vezes comparando com os fumadores sem DPOC19,20. Foi observada uma relação direta entre o grau de obstrução das vias aéreas e o risco de neoplasia do pulmão21. A inflamação crónica pode ter um papel na patogénese do carcinoma pulmonar, atuando como um fator pro-oncogénico19. O carcinoma do pulmão foi descrito como causa de morte em 7-38% dos doentes com DPOC3. O risco aumentado de carcinoma do pulmão em doentes com DPOC, independentemente dos hábitos tabágicos, pode justificar a realização de programas de rastreio de cancro do pulmão nestes doentes.

O perfil de comorbilidades observado no nosso estudo foi consistente com o relatado noutros artigos. Numa revisão da literatura, Chatila et al.3 demonstraram que as doenças cardiovasculares estavam presentes em 13-65% dos doentes com DPOC, hipertensão arterial em 18-52%, diabetes mellitus em 2-16%, artrite em 22-70%, dislipidémia em 9-51% e neoplasias em 4-18%. Estas percentagens são bastante semelhantes às encontradas no nosso estudo.

Mais recentemente, no estudo Eclipse12, foi comparada a prevalência de diferentes comorbilidades em doentes com DPOC e num grupo controlo. Neste estudo, observou-se que os doentes com DPOC apresentavam uma maior prevalência de comorbilidades. Comparando com o nosso estudo, as prevalências de acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca, arritmia, refluxo gastro-esofágico e depressão foram semelhantes. Contudo, no presente estudo verificámos uma prevalência superior de cardiopatia isquémica (18 versus 9%) e diabetes mellitus (20,2 versus 10%).

Bárbara et al.22 realizaram um estudo com doentes em estádio II a IV do GOLD e constataram que as comorbilidades mais frequentes foram as doenças cardiovasculares (49%), seguidas das gastrointestinais (20%) e doenças metabólicas (16%).

No nosso estudo apenas incluímos doentes do estádio IV do GOLD, contudo, no estudo Eclipse12 e SAFE22 foram incluídos doentes do estádio II a IV do GOLD, tendo sido obtida uma prevalência de comorbilidades similar. O estudo Eclipse concluiu que a presença de comorbilidades parecia ser independente do grau de obstrução brônquica.

Uma possível explicação para a variabilidade da prevalência das várias comorbilidades entre os estudos é o uso de diferentes métodos e definições para avaliar as comorbilidades.

No estudo Eclipse12, as mulheres com DPOC, comparativamente com os homens, eram particularmente suscetíveis a desenvolverem osteoporose, doenças inflamatórias intestinais, refluxo gastro-esofágico e depressão e apresentavam uma menor prevalência de doenças cardiovasculares e diabetes mellitus. No nosso estudo apenas encontrámos uma diferença estatisticamente significativa na prevalência de depressão, que foi mais frequente nas mulheres.

Observou-se uma maior proporção de homens com pelo menos 2 comorbilidades e um índice de Charlson superior a 2. Uma possível explicação para estes resultados é o facto de os homens serem mais idosos do que as mulheres.

Na nossa opinião são necessários mais estudos para perceber o impacto da DPOC nas várias comorbilidades e compreender a influência do tratamento desta doença pulmonar sobre as comorbilidades.

No nosso estudo, 39,3% dos doentes eram exacerbadores frequentes. Vários estudos comprovam que as exacerbações aceleram o declínio da função pulmonar, que caracteriza a DPOC23,24. Os autores do estudo Eclipse12 demonstraram que havia um grupo de doentes que era suscetível às exacerbações, independentemente da gravidade da obstrução brônquica e o fenótipo de exacerbadores frequentes estava associado a história de refluxo gastro-esofágico, baixa qualidade de vida e leucocitose.

A microaspiração de conteúdo gástrico e/ou irritação vagal por refluxo gastro-esofágico pode constituir um irritante das vias aéreas e desencadear um possível mecanismo para a exacerbação da DPOC25. No nosso estudo, tal como no estudo Eclipse11 e no de Rascon-Aguilar et al.25, também encontrámos uma associação estatisticamente significativa entre refluxo gastro-esofágico e exacerbadores frequentes. Na nossa opinião, deveriam ser realizados estudos intervencionistas para avaliar o impacto desta associação e do seu tratamento.

Neste estudo, os exacerbadores frequentes tiveram um risco aumentado de terem pelo menos 2 comorbilidades (Odds ratio de 5). Uma possível explicação para esta associação poderá ser o facto dos exacerbadores frequentes apresentarem um maior grau de inflamação sistémica e por isso um maior número de comorbilidades. Na nossa opinião, devem ser realizados mais estudos para comprovar esta relação e para perceber os mecanismos fisiopatológicos subjacentes.

Burgel et al.26 descreveram uma associação entre a presença de tosse e expetoração crónica e exacerbadores frequentes em doentes com DPOC, tal como encontrámos no nosso estudo.

Uma das limitações do nosso estudo foi a inclusão apenas de doentes com DPOC em estádio IV do GOLD, pelo que os resultados não podem ser generalizados para a população com DPOC, embora, segundo o estudo Eclipse12, as comorbilidades estejam presentes com maior frequência nos doentes com DPOC, independentemente dos estádios do GOLD. Por outro lado, não termos um grupo controlo impediu-nos de avaliar o efeito da idade e de outros eventuais fatores sobre a prevalência das comorbilidades.

Conclusão

Este estudo confirma a elevada prevalência de comorbilidades em doentes com DPOC estádio IV do GOLD e a sua influência nas exacerbações e internamentos, justificando uma abordagem abrangente e integradora.

Verificou-se que os exacerbadores frequentes apresentavam um risco aumentado de ter pelo menos 2 comorbilidades e apresentavam maior frequência de refluxo gastro-esofágico e internamentos no último ano e 5 anos prévios. A presença de tosse e expetoração crónicas estiveram associadas com a ocorrência de exacerbações da DPOC.

A identificação das comorbilidades mais frequentes pode constituir uma ferramenta importante para melhorar o conhecimento da relação complexa entre hábitos tabágicos, DPOC e comorbilidades.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Autoria

Vanda Areias colaborou na recolha de dados, realizou a análise estatística e elaborou a primeira versão do artigo.

Susana Carreira e Marisa Anciães colaboraram na recolha de dados, análise dos mesmos e revisão do artigo.

Professora Doutora Paula Pinto e Professora Doutora Cristina Bárbara conceberam o estudo, supervisionaram todos os aspetos relativos ao mesmo e reviram o artigo.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
Global Strategy for Diagnosis, Management and Prevention of COPD, Updated 2010. Disponível em http://www.goldcopd.org/uploads/users/files/GOLDReport_April112011.pdf [consultado 24 Jan 2013].
[2]
L. Fabbri, F. Luppi, B. Beghé, K. Rabe.
Complex chronic comorbidities of COPD.
Eur Resp J, 30 (2007), pp. 993-1013
[3]
W. Chatila, B. Thomashow, O. Minai, G. Criner, B. Make.
Comorbidities in chronic obstructive pulmonary disease.
Proc Am Thorac Soc, 5 (2008), pp. 549-555
[4]
H. Magnussen, H. Watz.
Systemic inflammation in chronic obstructive pulmonary disease and asthma: Relation with comorbidities.
Proc Am Thorac Soc, 6 (2009), pp. 651-684
[5]
R. Barr, B. Celli, D. Mannino, T. Petty, S. Rennard, F. Sciurba, et al.
Comorbiditites, patient knowledge, and disease management in a national sample of patients with chronic obstructive pulmonary disease.
Am J Med, 122 (2009), pp. 348-355
[6]
J. Bestall, E. Paul, R. Garrod, R. Garnham, P. Jones, J. Wedzicha.
Usefulness of the Medical Research Council (MRC) dyspnoea scale as a measure of disability in patients with chronic obstructive pulmonary disease.
Thorax, 54 (1999), pp. 581-586
[7]
R. Roisin, J. Soriano.
Chronic obstructive pulmonary disease with lung cancer and/or cardiovacular disease.
Proc Am Thorac Soc, 5 (2008), pp. 842-847
[8]
M. Charlson, T. Sztrowski, J. Peterson, J. Gold.
Validation of a combined comorbidity index.
J Clin Epidemiol, 47 (1994), pp. 1245-1251
[9]
W. Hall, R. Ramachandran, S. Narayan, A. Jani, S. Vijayakumar.
An electronic application for rapidly calculating Charlson comorbidity score.
BMC Cancer, 4 (2004), pp. 94
[10]
R. Incalzi, L. Fuso, M. Rosa, F. Forastiere, E. Rapiti, B. Nardecchia, et al.
Co-morbidity contributes to predict mortality of patients with chronic obstructive pulmonary disease.
Eur Resp J, 10 (1997), pp. 2794-2800
[11]
J. Hurst, J. Vestbo, A. Anzueto, N. Locantore, H. Müllerova, R. Tal-Singer, et al.
Susceptibility to exacerbation in chronic obstructive pulmonary disease.
N Eng J Med, 363 (2010), pp. 1128-1138
[12]
A. Agusti, P. Calverley, B. Celli, H. Coxson, L. Edwards, D. Lomas, et al.
Characterisation of COPD heterogeneity in the ECLIPSE cohort.
Respiratory Research, 11 (2010), pp. 122
[13]
C. Anecchino, E. Rossi, C. Fanizza, M. Rosa, G. Tognoni, M. Romero.
Prevalence of chronic obstructive pulmonary disease and pattern of comorbidities in a general population.
Int J Chron Obstruct Pulmon Dis, 2 (2007), pp. 567-574
[14]
J. Soriano, G. Visick, H. Muellerova, N. Payvandi, A. Hansell.
Patterns of comorbidities in newly diagnosed COPD and asthma in primary care.
Chest, 128 (2005), pp. 2099-2107
[15]
M. Cazzola, G. Benttoncelli, E. Sessa, C. Cricelli, G. Biscione.
Prevalence of comorbidities in patients with chronic obstructive pulmonary disease.
Respiration, 80 (2010), pp. 112-119
[16]
E. Prescott, A. Bjerg, P. Andersen, P. Lange, J. Vestbo.
Gender difference in smoking effects on lung function and risk of hospitalization for COPD: Results from a Danish longitudinal population study.
Eur Resp J, 10 (1997), pp. 822-827
[17]
C. Fletcher, R. Peto.
The natural history of chronic airflow obstruction.
BMJ, 1 (1977), pp. 1645-1648
[18]
D. Sin, S. Man.
Chronic obstructive pulmonary disease: A novel risk factor for cardiovascular disease.
Can J Physiol Pharmacol, 83 (2005), pp. 8-13
[19]
D. Sin, N. Anthonisen, J. Soriano, A. Agusti.
Mortality in COPD: Role of comorbidities.
Eur Resp J, 28 (2006), pp. 1245-1257
[20]
R. Young, R. Hopkins, T. Christmas, P. Black, Metcalf p, G. Gmable.
COPD prevalence is increased in lung cancer, independent of age, sex and smoking history.
Eur Resp J, 34 (2009), pp. 380-386
[21]
D. Mannino, S. Aguayo, T. Petty, S. Redd.
Low lung function and incident lung cancer in the United States: Data from the First National Health and Nutrition Examination Survey follow-up.
Arch Intern Med, 163 (2003), pp. 1475-1480
[22]
C. Bárbara, J. Moita, J. Cardoso, R. Costa, R. Redondeiro, M. Gaspar.
A importância da dispneia no diagnóstico da doença pulmonar obstrutiva crónica – uma análise de uma coorte estável em Portugal (ensaio clínico SAFE).
Rev Port Pneumol, 17 (2011), pp. 131-138
[23]
G. Donaldson, T. Seemungal, A. Bhowmik, J. Wedzicha.
Relationship between exacerbation frequency and lung function decline in chronic obstructive lung disease.
Thorax, 57 (2002), pp. 847-852
[24]
R. Kanner, N. Anthonisen, J. Connett.
Lower respiratory illnesses promote FEV1 decline in current smokers but not ex-smokers with mild chronic obstructive pulmonary disease: Results from the Lung Health Study.
Am J Respir Crit Care Med, 164 (2001), pp. 358-364
[25]
I. Rascon-Aguilar, M. Pamer, P. Wludyka, J. Cury, D. Coultas, L. Lambiase, et al.
Role of gastroesophageal reflux symptoms in exacerbation of COPD.
Chest, 130 (2006), pp. 1096-1101
[26]
P. Burgel, P. Nesme-Meyer, P. Chanez, D. Caillaud, P. Carré, T. Perez, et al.
Cough ad sputum production are associated with frequent exacerbations and hospitalizations in COPD subjects.
Chest, 135 (2009), pp. 975-982
Copyright © 2012. Sociedade Portuguesa de Pneumologia
Download PDF
Pulmonology
Article options
Tools

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?