A tuberculose continua a ser, na actualidade, a doença infecciosa responsável por maior número de mortes a nível mundial. Por ano, surgem cerca de 9 milhões de novos casos, dos quais mais de metade ocorrem no Sudoeste Asiático e na África subsariana.
Em Portugal, a incidência da tuberculose tem sido consideravelmente superior à observada nos países europeus vizinhos. Este facto parece estar relacionado com o lento desenvolvimento sócio--económico, o retorno maciço de mais de 500 000 refugiados provenientes das antigas colónias de África (1974/1975), a elevada taxa de abandono terapêutico e um Programa Nacional de Luta Contra a Tuberculose pouco eficiente. Para tal, têm contribuído erros estruturais do Sistema de Saúde que se tem revelado incapaz de diagnosticar rapidamente a totalidade de casos de tuberculose e de os tratar eficazmente. Entre os factores sociais, económicos e demográficos que facilitam a manutenção desta situação, encontram-se: concentração das populações no litoral e nos grandes centros urbanos; condições habitacionais degradantes; exclusão social; elevada incidência de toxicodependência e SIDA (Portugal constitui um dos países europeus com maior número de casos); zonas de desertificação (interior); elevada taxa de imigração proveniente de zonas de grande prevalência da doença. Todos os factores anteriormente referidos têm contribuído para a eclosão da Tuberculose Multirresistente (TB-MR) que atinge no nosso país níveis preocupantes.
O presente estudo teve como objectivo determinar qual a taxa de incidência de resistência primária aos antibacilares em Portugal, bem como avaliar a eficácia do Programa Nacional de Luta Contra a Tuberculose.
Foi efectuada uma análise retrospectiva envolvendo 1105 doentes com Tuberculose Pulmonar admitidos em 46 Centros de Diagnóstico Pneumológico e Hospitais Centrais distribuídos por todo o país.
Os indivíduos apresentavam exame cultural da expectoração positivo para Mycobacterium tuberculosis, tendo sido realizado teste de sensibilidade aos antibacilares (Isoniazida, Rifampicina, Etambutol e Estreptomicina), utilizando o método de proporções modificado e determinada a serologia para VIH I e II em todos os casos. A resistência antibacilar foi definida como a percentagem de colónias que permanecem viáveis na presença de uma concentração crítica de fármaco: 0,2mg/l para a Isoniazida, 2mg/l para o Etambutol, 4mg/l para a Estreptomicina e 40mg/l para a Rifampicina. A interpretação foi feita de acordo com o critério usual de resistência, isto é, ≥ 1% para todos os antibacilares.
Dos 1105 doentes estudados, 874 eram homens (79%) e 231 mulheres (21%), tendo a maioria uma idade compreendida entre os 15 e os 54 anos inclusive. Os resultados obtidos foram os seguintes:
Resistência primária à Isoniazida: 7,7%
Resistência primária à Rifampicina: 1,9%
Resistência adquirida total: 39,2%
Resistência adquirida à Isoniazida: 31,1%
Resistência adquirida à Rifampicina: 20,9%
Multirresistência primária: 1,8%
Multirresistência adquirida: 20,9%
Infecção VIH nos casos de TB-MR: 29,2%
A TB-MR foi significantemente mais elevada no sexo masculino (81,3% versus 18,8%), sendo a distribuição de acordo com os grupos etários (independentemente do sexo) a subsequente: 43,3% idade 25--34 anos; 56,7% idade 35-44 anos. Lisboa constituiu o distrito mais afectado: 56,3% de casos de TB-MR, dos quais 51,9% eram, também, VIH positivos. Não houve diferenças estatisticamente significativas quando considerada a monorresistência11 Resistência a um único fármaco Resistência a mais de um fármaco Resistência simultânea à Isoniazida e Rifampicina, com ou sem resistência a outros antibacilares
O homem desempenha um papel crucial na disseminação da TB-MR. São várias a etapas envolvidas na sua epidemiologia. Numa primeira fase, o Mycobacterium tuberculosis sofre mutações genéticas espontâneas e pouco frequentes, surgindo, dessa forma, estirpes resistentes. A selecção destas micobactérias resulta posteriormente da acção do homem através do tratamento incorrecto, da transmissão por grupos “de risco”, do atraso do diagnóstico e do controle ineficaz da infecção. A terapêutica inadequada advém de factores de natureza médica (prescrição incorrecta; barreiras burocráticas), de natureza farmacológica (qualidade deficiente; monoterapia directa ou indirecta; interacções medicamentosas; período de administração incompleto; iatrogenia; má absorção) e de natureza sócio-económica (po-breza; toxidependência; alcoolismo; inexistência de habitação; más condições sanitárias; ausência de informação; exclusão social).
Neste estudo, a resistência a qualquer fármaco em doentes nunca tratados foi de 14,5% e nos indivíduos previamente submetidos a terapêutica antibacilar, de 39,2%) o que constitui um achado preocupante. A taxa de resistência primária é moderada em indivíduos não pertencentes a grupos “de risco” e elevada nos seropositivos toxicodependentes, particularmente em instituições prisionais.
Sendo a resistência antibacilar um indicador de eficácia do Programa Nacional de Luta contra a Tuberculose, torna-se evidente que, apesar dos esforços envidados nos últimos anos, este apresenta, ainda, importantes lacunas. É fundamental uma melhor identificação e cura rápida dos bacilíferos, utilizando as normas terapêuticas preconizadas pela OMS, bem como uma análise e monitorização dos resultados do tratamento.
Os autores salientam, também, a necessidade de melhorar o sistema de vigilância epidemiológica da resistência com particular relevância para os grupos de risco, como sejam reclusos, toxicodependentes, pessoal de saúde e guardas prisionais, entre outros.
Conclui-se, assim, que a resistência aos antibacilares constitui um problema primordial de Saúde Pública em Portugal.
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