Journal Information
Vol. 17. Issue 5.
Pages 211-215 (September - October 2011)
Visits
13525
Vol. 17. Issue 5.
Pages 211-215 (September - October 2011)
Artigo original
Open Access
Anatomia endobrônquica: estudo prospectivo das variações anatómicas da árvore traqueobrônquica
Anatomy for the bronchologist: a prospective study of the normal endobronchial anatomic variants
Visits
13525
L. Vaz Rodrigues
Corresponding author
l.vaz.rodrigues@chc.min-saude.pt

Autor para correspondência.
, Y. Martins, C. Guimarães, M. de Santis, A. Marques, F. Barata
Serviço de Pneumologia, Centro Hospitalar de Coimbra, EPE, Coimbra, Portugal
This item has received

Under a Creative Commons license
Article information
Abstract
Full Text
Bibliography
Download PDF
Statistics
Figures (1)
Tables (2)
Tabela 1. Sistema de classificação internacional, apresentado por Collins et al. em 1987 (referência 5).
Tabela 2. Classificação sistematizada e frequências relativas das variações observadas.
Show moreShow less
Resumo

O conhecimento detalhado do normal padrão de ramificações da árvore traqueobrônquica é um requisito essencial para qualquer pneumologista. Os sistemas de classificação funcional que guiam a prática clínica corrente têm um carácter eminentemente estático e raramente contemplam referências aos desvios possíveis dentro do espectro normal.

Por forma a caracterizar as variações anatómicas da árvore traqueobrônquica, os autores desenvolveram um estudo prospectivo que decorreu entre Fevereiro e Julho de 2009, onde se incluíram todos os doentes referenciados para realização de broncofibroscopias diagnósticas e/ou terapêuticas.

Um total de 181 indivíduos foram incluídos no estudo tendo-se observado variantes anatómicas em 79 (43% do total). Globalmente observamos 20 diferentes variantes anatómicas. Estas variantes foram mais frequentemente observadas no lobo superior direito (16,6%). O lobo médio e a língula não foram sede de variantes anatómicas. A variante mais frequentemente observada foi o padrão bifurcado do lobo superior direito (13,8%).

O presente estudo revelou uma elevada frequência de formas alternativas ao clássico padrão de ramificação traqueobrônquica. O conhecimento da tipologia, morfologia e frequência de expressão dessas variantes revela-se de extrema importância para o broncologista no estabelecimento das fronteiras da anatomia normal e na planificação de técnicas endoscópicas ou de procedimentos cirúrgicos.

Palavras-chave:
Broncoscopia
Anatomia traqueobrônquica
Variações normais
Abstract

A comprehensive knowledge of the normal pattern of endobronchial branching is essential to any pulmonologist. The classification systems available are predominantly static descriptions and only seldom do they refer to possible variations within the normal spectrum.

To evaluate all possible anatomical variants of the tracheobronchial tree we conducted a prospective study in our endoscopy unit between February, 1st and July, 10th (2009).

A total of 181 individuals were included in the study. Anatomical variants were found to be present in 79 individuals (43% of total). Overall we found 20 different anatomical variants. Variations were more frequently found within the right upper lobe (16.6% of individuals). Middle lobe and lingula presented no variations. The variant most frequently found was the presence of a bifurcate pattern of the right upper bronchus (13.8%).

The present study revealed a relatively high frequency of anatomical alternatives to the normal endobronchial branching pattern. Recognition of these variants and the frequency of their expression are fundamental for the bronchologist in establishing the limits of normal anatomy and preparing endobronchial techniques or surgical procedures.

Keywords:
Bronchoscopy
Tracheobronchial anatomy
Normal variations
Full Text
Introdução

A caracterização da anatomia endobrônquica foi tema de grande debate desde as primeiras observações levadas a cabo por Killian. Jackson e Huber1 foram os primeiros a reconhecer a importância de uma classificação sistematizada da árvore brônquica. Na verdade, o seu sistema de classificação, apresentado em 1943, acabaria por ser a base do sistema de nomenclatura internacional aprovado pela British Thoracic Society em 19492.

O desenvolvimento subsequente da broncofibroscopia por Ikeda et al. levaria a um conhecimento progressivamente mais detalhado da anatomia endobrônquica traduzido nas publicações do próprio Ikeda3 e Nagaishi4.

Este conhecimento acabaria por levar a sucessivas revisões da classificação internacional, tais como a que é apresentada por Collins et al., em 1987,5 que ainda usamos hoje em dia (tabela 1).

Tabela 1.

Sistema de classificação internacional, apresentado por Collins et al. em 1987 (referência 5).

PULMÃO DIREITO 
Lobo superior direito 
B1: segmento apical 
B2: segmento posterior 
B3: segmento anterior 
Lobo médio 
B4: segmento lateral 
B5: segmento medial 
Lobo inferior direito 
B6: segmento apico-basal 
B7: segmento medial basal 
B8: segmento antero-basal 
B9: segmento latero-basal 
B10: segmento postero-basal 
 
PULMÃO ESQUERDO 
Lobo superior 
Divisão lobar superior 
B1+2: segmento apico-posterior 
B3: segmento anterior 
Divisão lingular 
B4: segmento superior 
B5: segmento inferior 
Lobo inferior 
B6: segmento apico-basal 
B7+8: segmento antero-basal 
B9: segmento latero-basal 
B10: segmento postero-basal 

Mas apesar da sua inegável utilidade, todos os sistemas de classificação apresentados ao longo dos anos têm sido predominantemente descrições estáticas e só raramente se referem a variações possíveis dentro do espectro normal.

Essas variações são consideradas como o resultado de distúrbios embrionários do padrão normal de ramificação6, mas a etiologia deste fenómeno nunca foi verdadeiramente esclarecida.

Para além dos dados apresentados por Prakash7, que apenas descreve algumas das possíveis variações anatómicas, sem contudo mencionar a sua frequência de ocorrência, poucos estudos podem ser encontrados sobre este assunto. Gonlugur et al.8 descrevem a presença de variações do padrão de ramificação em 2,6% de um total de 2550 exames analisados retrospectivamente. Neste estudo, a bifurcação do lobo superior direito foi a variante anatómica mais frequente. As variantes anatómicas foram encontradas mais frequentemente nos indivíduos do sexo masculino. Um único estudo prospectivo conduzido numa população turca possibilitou a caracterização de um maior número de variantes anatómicas de ocorrência mais rara9.

Objectivos

Avaliar todas as possíveis variações anatómicas da árvore traqueobrônquica presentes em indivíduos adultos que realizaram broncofibroscopia na nossa Unidade de Técnicas Endoscópicas.

Material e métodos

Foi desenhado um estudo prospectivo, com a duração de 23 semanas (entre 01/01/2009 e 10/07/2009), onde se incluiu um total de 181 indivíduos que realizaram broncofibroscopia com intuito diagnóstico e/ou terapêutico.

Em todos os exames foi realizada uma revisão sistematizada da anatomia endobrônquica e efectuado um registo descritivo (em base de dados específica) e gráfico (fotografia ou vídeo, sempre que possível) de todas as variantes anatómicas observadas (tomando como referência a classificação apresentada por Collins et al. - tabela 1).

Utilizamos o software SPSS 17,0 (SPSS inc., Chicago, Illinois, EUA) para realizar todas as análises estatísticas dos dados clínicos recolhidos. As associações entre as diversas variáveis foram testadas utilizando o teste do qui-quadrado. Os resultados foram considerados estatisticamente significativos para valores de p inferiores a 5%.

Resultados

Durante o estudo, foi realizado um total de 221 broncofibroscopias em 207 doentes na Unidade. Foram excluídos 26 doentes: em 9 doentes o exame foi realizado por médicos não participantes do estudo; noutros 9 doentes apenas foi inspeccionada a traqueia (4 durante entubações oro/naso-traqueais guiadas por fibroscopia e 5 por estenoses traqueais); finalmente 8 doentes foram excluídos por apresentarem deformidades grosseiras da árvore traqueobrônquica como resultado de sequelas de tuberculose, neoplasia ou cirurgia de ressecção pulmonar.

Todos os indivíduos incluídos eram adultos de raça caucasiana com uma média de idades de 63 anos (mínimo: 23; máximo: 95) e maioritariamente do sexo masculino (66%).

Em 79 indivíduos (43% do total) encontramos variantes anatómicas. Estes indivíduos eram maioritariamente do sexo masculino (62%) com uma média de idades de 63 anos.

No total, encontramos 20 diferentes variantes anatómicas (tabela 2). Estas foram mais frequentemente observadas no lobo superior direito (16,6%). Neste local, quatro padrões diferentes de bifurcação e duas outras variantes anatómicas foram observadas (tabela 2 e fig. 1 - A1 a A4). Uma variante mais rara que observamos em dois pacientes foi a constatação de um brônquio lobar superior direito emergindo directamente da porção inferior da traqueia, acima da carina.

Tabela 2.

Classificação sistematizada e frequências relativas das variações observadas.

  Número de observações  % do total de doentes  % do total de variações observadas 
PULMÃO DIREITO  57  31,6  64,7 
Lobo superior  30  16,6  34 
Bifurcação b1+2; b3  12  6,6  13,5 
Bifurcação b2+3; b1  3,3  6,8 
Bifurcação b1+3; b2  2,8  5,7 
Bifurcação b2+b1b; b3+b1a  1,1  2,3 
b3 emergindo directamente de C  1,7  3,4 
B emergindo directamente da traqueia  1,1  2,3 
Lobo médio 
Lobo inferior  27  15  30,7 
Brônquio sub-superior  0,6  1,1 
b7 ausente  4,4  9,1 
b7 ausente: b8+B7a; b9+b7b  1,1  2,3 
Bifurcação b8+9; b10  4,4  9,1 
Bifurcação b10+b9a; b8+b9b  2,8  5,7 
Brônquio supranumerário emergindo da parede posterior da pirâmide basal  1,7  3,4 
PULMÃO ESQUERDO  28  15,6  31,9 
Lobo superior  3,9  8,0 
Padrão trifurcado (b1+b2; b3; b4+b5)  1,7  3,4 
Divisão lobar superior  (4)  (2,2)  (4,5) 
Padrão trifurcado (b1+b2+b3)  2,2  4,5 
Língula  (0)  (0)  (0) 
Lobo inferior  21  11,7  23,9 
Brônquio sub-superior  0,6  1,1 
b7 Individualizado  2,8  5,7 
Bifurcação b10; b9+b8  2,8  5,7 
Bifurcação b10+b9a; b8+b9b  1,1  2,3 
Brônquio supranumerário emergindo da parede posterior da pirâmide basal  4,4  9,1 
Brônquio traqueal  1,7  3,4 
Figura 1.

Representação fotográfica de algumas variações anatómicas observadas.

A) Variantes observadas no brônquio lobar superior direito (A1=b3 emergindo directamente de C; A2=Bifurcação b1+2; b3; A3 - Bifurcação b2+3; b1; A4=Bifurcação b1+3; b2). B) Variantes observadas no brônquio lobar inferior direito (B1=brônquio sub-superior; B2=brônquio supranumerário emergindo da parede posterior da pirâmide basal; B3=b7 ausente). C) Variantes observadas no brônquio lobar superior esquerdo (C1=padrão trifurcado de ramificação do brônquio lobar superior esquerdo (b1+b2; b3; b4+b5 com aberturas independentes e ao mesmo nível; C2=padrão trifurcado da divisão superior do brônquio lobar superior esquerdo b1+b2+b3). D) Variantes observadas no brônquio lobar inferior esquerdo (b7 Individualizado).

(0.32MB).

No lobo superior esquerdo, por outro lado, apenas observamos duas variantes anatómicas. Uma destas variantes foi o padrão trifurcado de ramificação do brônquio lobar superior esquerdo (b1+b2; b3; b4+b5 com aberturas independentes e ao mesmo nível, em lugar do clássico padrão bifurcado que habitualmente dá origem a uma divisão superior e a uma divisão lingular). A outra variante observada foi o achado do padrão trifurcado da divisão superior do brônquio lobar superior esquerdo (b1+b2+b3), configurando um aspecto semelhante à anatomia normal do brônquio lobar superior direito. Ambas estas variantes foram observadas apenas em 3,9% dos doentes e estão representadas na figura 1 – C1 e C2, respectivamente.

Os lobos inferiores foram os segundos locais mais frequentes de achado de variantes anatómicas (tabela 2 e fig. 1 B e D). Também aqui as variações foram mais frequentes no pulmão direito (15 versus 11,7%).

O lobo médio e a língula não foram sede de variantes anatómicas.

Do total de indivíduos, 64,6% apresentavam apenas uma variante anatómica enquanto os restantes 35,4% apresentavam duas ou mais. Nos indivíduos com mais de uma variante anatómica foi mais frequente a distribuição bilateral das variantes (67,9%).

Apesar da predominância de variações no sexo masculino, não houve diferença com significado estatístico entre a presença de variações e sexo (p=0,284).

Discussão

O presente estudo representa, do nosso conhecimento, a primeira revisão sistematizada da anatomia endobrônquica de uma população portuguesa.

Comparado com o primeiro estudo realizado na população turca8, a nossa taxa de variações endobrônquicas foi muito maior (2,6% na população turca e 43% no nosso estudo). O facto de o nosso estudo ter sido conduzido de forma prospectiva pode oferecer a melhor explicação para esta grande diferença. Na verdade, quando comparado com o segundo estudo realizado prospectivamente na população turca9, as frequências observadas são semelhantes (42% numa amostra de 1.114 pacientes). Obviamente outros estudos (nomeadamente com uma amostra de maior dimensão) são necessários para determinar uma frequência mais precisa das variações endobrônquicas na população portuguesa.

Curiosamente, a variante mais frequente na nossa população foi a mesma observada na população turca (padrão bifurcado do brônquio lobar superior direito). Dos diferentes padrões de bifurcação do brônquio lobar superior direito, o mais observado foi o tipo III de Nagaishi (b1+2; b3) que, de acordo com dados da literatura, não é o padrão de bifurcação mais frequente4.

Apesar de constituir o achado mais frequente no sexo masculino (tal como se sucedeu no estudo turco), não houve diferenças estatisticamente significativas entre a presença de variações e o sexo.

Com este estudo, os autores demonstram que o achado de formas alternativas ao normal padrão de ramificação traqueobrônquica é frequente e diversificado. O seu conhecimento deve ser tido em conta por todos os broncologistas no estabelecimento das fronteiras da anatomia normal en a planificação de técnicas endoscópicas ou de procedimentos cirúrgicos.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos pacientes a sua participação no estudo.

O apoio técnico e operacional foi gentilmente fornecido pelas enfermeiras e assistentes operacionais da Unidade de Técnicas Endoscópicas do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar de Coimbra, a quem gostaríamos também de mostrar o nosso apreço.

Bibliografia
[1]
C.L. Jackson, J.F. Huber.
Correlated Applied Anatomy of the Bronchial Tree and Lungs With a System of Nomenclature.
Chest, 9 (1943), pp. 319-326
[2]
BMJ Publishing Group Ltd and British Thoracic Society.
The Nomenclature of Broncho-pulmonary Anatomy: An International Nomenclature Accepted by the Thoracic Society.
Thorax, 5 (1950), pp. 222-228
[3]
S. Ikeda.
Atlas of flexible bronchofiberoscopy.
Igaku Shoin Ltd, (1974),
[4]
C. Nagaishi.
Functional Anatomy and Histology of the Lung.
University Park Press, (1972),
[5]
J. Collins, P. Dhillon, P. Goldstraw.
Practical Bronchoscopy.
Blackwell, (1987),
[6]
F.J. McLaughlin, D.J. Strieder, G.B. Harris, G.P. Vawter, A.J. Eraklis.
Tracheal bronchus: Association with respiratory morbidity in childhood.
J Pediatr, 106 (1985), pp. 751-755
[7]
U. Prakash.
Bronchoscopy.
Raven Press, (1994),
[8]
U. Gonlugur, T. Efeoglu, M. Kaptanoglu, I. Akkurt.
Major anatomical variations of the tracheobronchial tree: bronchoscopic observation.
Anat Sci Int, 80 (2005), pp. 111-115
[9]
S. Beder, E. Küpeli, D. Karnak, O. Kayacan.
Tracheobronchial variations in Turkish population.
Clin Anat, 21 (2008), pp. 531-538
Copyright © 2011. Sociedade Portuguesa de Pneumologia
Download PDF
Pulmonology
Article options
Tools

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?