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Vol. 17. Issue 4.
Pages 153-158 (July - August 2011)
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Vol. 17. Issue 4.
Pages 153-158 (July - August 2011)
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Desnutrição e Qualidade de Vida em Doentes com Cancro do Pulmão Não Pequenas Células
Undernutrition and Quality of Life in Non Small Cell Lung Cancer Patients
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S. Xaráa,
Corresponding author
soniaxara@gmail.com

Autor para correspondência.
, T.F. Amaralb, B. Parentec
a Nutricionista, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho EPE
b Professora Associada, Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
c Directora do Serviço de Pneumologia, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho EPE
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Tabela 1. Características da amostra.
Tabela 2. Avaliação da QdV pelo EORTC QLQ-C30, de acordo com o PG-SGA.
Tabela 3. Avaliação da QdV pelo EORTC QLQ-LC13, de acordo com o PG-SGA.
Tabela 4. Associação da QdV pelo EORTC QLQ-C30 e QLQ-LC13 e PG-SGA.
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Resumo

O cancro está associado a uma deterioração do estado nutricional e da qualidade de vida (QdV), mas não se conhece a dimensão destas consequências nos doentes com cancro do pulmão não pequenas células (CPNPC). O objectivo deste estudo foi avaliar a associação entre a qualidade de vida e a desnutrição em doentes com CPNPC. O estado nutricional foi avaliado pelo Patient Generated – Subjective Global Assessment e a QdV foi avaliada através do European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life – C30 e do módulo específico para doentes com cancro do pulmão. Foi avaliada uma amostra com cinquenta e seis doentes diagnosticados com CPNPC. Uma elevada proporção de doentes encontra-se desnutrida (35,7%), dos quais 1,8% em estadios precoces vs 33,9% em estadios avançados de doença. A desnutrição está associada a dimensões de QdV como a falta de apetite (rho=0,70), fadiga (rho=0,54), náuseas e vómitos (rho=0,52) e também obstipação (rho=0,56). Os doentes com CPNPC apresentam elevada frequência de desnutrição nos estadios avançados de doença. Os doentes desnutridos apresentam mais sintomatologia e piores estado de saúde global, de funcionamento físico, emocional, social e de desempenho, do que os doentes sem desnutrição. A desnutrição está associada com pior QdV, especificamente nos parâmetros: falta de apetite, náuseas e vómitos, obstipação e fadiga.

Palavras-chave:
Cancro do Pulmão Não Pequenas Células
Desnutrição
Qualidade de Vida
PG-SGA
Abstract

Cancer is related to a deterioration of nutritional status and quality of life (QoL), but the extent of these conditions in patients with Non Small Cell Lung Cancer (NSCLC) has not been studied. The aim of the present study was to assess the association between QoL and undernutrition in NSCLC patients. Nutritional status was evaluated with Patient Generated – Subjective Global Assessment and QoL using the European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life – C30 and also with the specific module for lung cancer patients. A consecutive sample of fifty six patients diagnosed with NSCLC was evaluated. A high proportion of patients is undernourished (35.7%), 1.8% in early stages vs 33.9% in advanced stages of disease. Undernutrition is related to measured dimensions of QoL: lack of appetite (rho=0.70), fatigue (rho=0.54), nausea and vomiting (rho=0.52) and constipation (rho=0.56). Undernourished patients have worse global health status, physical, emotional, social and role functioning.

Patients with NSCLC have high frequency of undernutrition in advanced stages of disease. Undernourished patients present more symptoms, a worse global health status/QoL, physical, role, emotional and social functioning than patients without undernutrition. Undernutrition is associated with worse QoL, specifically in the parameters: appetite loss, nausea and vomiting, constipation and fatigue.

Keywords:
Non Small Cell Lung Cancer
Undernutrition
Quality of Life
PG-SGA
Full Text
Introdução

A desnutrição é um problema comum nos doentes com cancro e a sua frequência varia de acordo com a localização do tumor, estadio da doença e o tipo de tratamento.1 O reconhecimento dos problemas associados ao estado nutricional de doentes com cancro do pulmão é escassa, no entanto foi estimado que 46% destes doentes se encontravam desnutridos.1 A perda de peso afecta a resposta ao tratamento e a susceptibilidade aos seus efeitos adversos, conduzindo ao agravamento do prognóstico e da qualidade de vida (QdV).2–4 A desnutrição pode progredir para caquexia, que engloba um largo espectro de situações, desde a perda de peso até um estado associado, a uma acentuada incapacidade geral que conduz à morte.2,5

A QdV é uma importante dimensão na avaliação do resultado da doença e do seu tratamento e representa uma preocupação crescente no controlo da doença. A QdV é descrita como um factor de prognóstico na sobrevivência de doentes com Cancro do Pulmão Não Pequenas Células (CPNPC).6,7 No entanto, a extensão destas condições em doentes com CPNPC está ainda por avaliar. O objectivo do presente estudo foi avaliar a associação entre a QdV e a desnutrição em doentes com CPNPC.

Material e Métodos

Foi realizado um estudo transversal que incluiu doentes seguidos em regime de ambulatório na Unidade de Pneumologia Oncológica do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Portugal. Foram critérios de inclusão ser caucasiano, com idade superior a dezoito anos e ter o diagnóstico de CPNPC. Não se incluíram no estudo os doentes que tinham tido acompanhamento prévio em consultas de nutrição e que eram incapazes de preencher os questionários de auto-administração utilizados. Incluíram-se consecutivamente no estudo os doentes admitidos nesta unidade entre Outubro de 2007 e Maio de 2008, que cumpriam os critérios estabelecidos.

O protocolo do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Conselho de Administração da instituição onde foi realizado. Todos os doentes assinaram uma declaração de consentimento informado, de acordo com o preconizado na declaração de Helsínquia.8

Recolha de dados

Toda a informação foi recolhida pela mesma entrevistadora (SX) através de um questionário estruturado, com a excepção dos parâmetros validados para serem avaliados por auto-administração. Foram obtidas informações sobre características sociais e demográficas, tempo de diagnóstico (número de meses compreendidos entre a data de diagnóstico e a data de avaliação no decurso do estudo) e aspectos clínicos relevantes como os tratamentos prévios e actuais e antecedentes familiares de neoplasia.

Realizou-se avaliação antropométrica de acordo com procedimentos padronizados.9 A percentagem de perda de peso (% perda de peso), foi calculada considerando-se como peso habitual o peso anterior aos primeiros sintomas ou registado no processo clínico na primeira consulta.

O Patient Generated Subjective Global Assessment (PG-SGA) foi usado para quantificar o estado nutricional dos doentes.10–12 O PG-SGA permite uma classificação global em desnutrição moderada, desnutrição grave ou sem desnutrição.10–12 O scored PG-SGA é um desenvolvimento adicional do PG-SGA que inclui uma pontuação numérica usada para definir intervenções nutricionais.10–12

A avaliação da QdV foi efectuada através do European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire-C30 EORTC QLQ-C30 com o módulo específico para cancro do pulmão, o European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire Lung Cancer Module (EORTC QLQ-LC13). Estes são os métodos para avaliação da QdV mais usados na Europa e revelaram-se como os melhores instrumentos desenvolvidos até à data.13–16 O QLQ-C30 é composto por escalas e itens individuais que reflectem a multidimensionalidade da QdV.15 As escalas e itens individuais são cotados de 0 a 100%. Um score elevado no estado de saúde global e nas escalas funcionais representa um elevado nível de funcionamento e portanto melhor QdV, um score elevado para a escala de sintomas representa um elevado nível de sintomatologia/problemas e assim pior QdV. A codificação foi realizada segundo o preconizado pela EORTC.17 O QLQ LC13 é composto por treze questões sobre a sintomatologia do cancro do pulmão, os efeitos secundários relacionados com o tratamento e a medicação para a dor. A codificação do QLQ-LC13 é idêntica ao princípio aplicado nas escalas de sintomas/itens individuais do QLQ-C30.17

Análise de dados

Os participantes foram agrupados em dois grupos de acordo com o estadio de doença: grupo 1 (estadio I, II e IIIA) e grupo 2 (estadio IIIB e IV). Atendendo a que um estadio IIIA permite opções terapêuticas mais radicais e sobrevivência superiores aos estadios IIIB e IV, optou-se por incluir este estadio no grupo 1.18 Os dados do PG-SGA foram organizados em duas classes, sem desnutrição e desnutrição moderada/grave. A QdV foi analisada de acordo com as classes de PG-SGA e estimou-se a associação entre QdV e desnutrição.

Calcularam-se os parâmetros de localização e de dispersão para as variáveis contínuas e as frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas. Como as distribuições dos parâmetros contínuos avaliados não eram normais, utilizou-se a Prova de Mann-Whitney U. Compararam-se as distribuições de frequências pela prova de Qui-quadrado, ou pela técnica de Fisher quando o valor esperado em 20% (ou menos) das células era inferior a 5. Calculou-se o coeficiente de correlação de Spearman para avaliar a associação entre QdV e o estado nutricional. O nível de significância foi de 5%. A análise estatística foi realizada utilizando o SPSS 14.0 para Windows.

Resultados

A presente amostra inclui 56 doentes com diagnóstico de CPNPC (14 do sexo feminino e 42 do sexo masculino) com média de idades de 64,3 anos (desvio padrão=10,8 anos). O grupo 1 é constituído por 14 doentes e o grupo 2 por 42 doentes.

Os doentes do sexo feminino têm idade superior aos do sexo masculino e a maioria apresenta uma baixa escolaridade. O tipo histológico mais frequente é o adenocarcinoma e a maioria dos doentes não apresenta antecedentes familiares de neoplasia. O tratamento anterior mais comum nos doentes do grupo 1 foi a cirurgia/cirurgia com terapêuticas adjuvantes, enquanto nos doentes do grupo 2 foi a quimioterapia. A maioria dos doentes do grupo 1 (78,6%) não se encontrava a fazer qualquer tipo de tratamento na altura de avaliação para o presente estudo. No entanto, 15 doentes do grupo 2 encontravam-se a fazer quimioterapia (Tabela 1).

Tabela 1.

Características da amostra.

  Grupo 1(n=14)  Grupo 2(n=42) 
Idade (anos) Média (dp)  64,2 (10,4)  64,3 (11,1) 
Sexo*     
Feminino  4 (28,6)  10 (23,8) 
Masculino  10 (71,4)  32 (76,2) 
Tempo diagnóstico (meses)     
Mediana (mínimo- máximo)  15,4 (1-60)  9,5 (0-111) 
Tipo histológico*     
Adenocarcinoma  9 (64,3)  22 (52,4) 
Epidermóide  2 (14,3)  9 (21,4) 
Carcinoma indiferenciado  3 (21,4)  11 (26,2) 
Tratamentos anteriores*     
Nenhum  2 (14,3)  13 (30,9) 
Cirurgia/ Cirurgia com terapêuticas Adjuvantes  9 (64,3)  11 (26,2) 
QT  0 (0,0)  13 (31,0) 
RT  2 (14,3)  1 (2,4) 
QT e RT Concomitantes/sequenciais  1 (7,1)  4 (9,5) 
Tratamento actual*     
Nenhum  11 (78,6)  27 (64,3) 
QT  2 (14,3)  15 (35,7) 
RT  1 (7,1)  0 (0,0) 
PG-SGA*(categorias)     
Sem desnutrição  13 (92,9)  23 (54,8) 
Desnutrição moderada/grave  1 (7,1)  19 (45,2) 

dp: desvio padrão; CPNPC: Cancro do Pulmão Não Pequenas Células; QT: Quimioterapia; RT: Radioterapia; PG-SGA: Patient Generated Subjective Global Assessment.

*

n (%).

Oito doentes (57,1%) do grupo 1 aumentaram de peso, enquanto 22 doentes (52,4%) do grupo 2 diminuíram o seu peso desde a altura dos primeiros sintomas até ao momento da recolha de dados. Sessenta e quatro por cento dos doentes do grupo 1 apresentaram uma classificação numérica total relativa ao PG-SGA compreendida entre 4 e 8, enquanto 57,1% dos doentes do grupo 2 apresentaram uma classificação numérica total ≥ 9. Apesar de 35,7% dos doentes do grupo 2 apresentarem desnutrição moderada e 9,5% dos doentes desnutrição grave, apenas um doente (7,1%) do grupo 1 foi categorizado na classe de risco de desnutrição/desnutrição moderada (Tabela 1).

Analisando a QdV estratificada de acordo com as classes do estado nutricional, os doentes desnutridos apresentavam um estado de saúde global /QdV inferior (p=0,003) e pior funcionamento físico, desempenho, emocional e social. Apresentavam também mais frequentemente fadiga (p<0,001), náuseas e vómitos (p<0,001), dor (p=0,006), falta de apetite (p<0,001) e obstipação (p<0,001) (Tabela 2).

Tabela 2.

Avaliação da QdV pelo EORTC QLQ-C30, de acordo com o PG-SGA.

  Sem desnutrição(%) mediana(mínimo-máximo)  Desnutrição(moderada/grave)(%) mediana(mínimo-máximo)  p* 
Estado de saúde global/QdV  50,0 (0,0-100,0)  33,3 (0,0-66,7)  0,003 
Escala funcional       
Funcionamento físico  73,3 (40,0-100,0)  50,0 (20,0-73,3)  <0,001 
Desempenho  66,7 (0,0-100,0)  33,3 (0,0-83,3)  0,002 
Funcionamento emocional  83,3 (16,7-100,0)  75,0 (0,0-100,0)  0,025 
Funcionamento cognitivo  100,0 (33,3-100,0)  75,0 (16,7-100,0)  n.s. 
Funcionamento social  100,0 (16,7-100,0)  66,7 (0,0-100,0)  0,001 
Escala/itens sintomas
Fadiga  33,3 (0,0-100,0)  50,0 (22,2-100,0)  <0,001 
Naúseas e vómitos  0,0 (0,0-33,3)  16,7 (0,0-100,0)  <0,001 
Dor  16,7 (0,0-100,0)  41,7 (0,0-100,0)  0,006 
Dispneia  33,3 (0,0-100,0)  33,3 (0,0-100,0)  n.s. 
Insónia  0,0 (0,0-100,0)  33,3 (0,0-100,0)  n.s. 
Falta de apetite  0,0 (0,0-100,0)  66,7 (0,0-100,0)  <0,001 
Obstipação  0,0 (0,0-66,7)  33,3 (0,0-100,0)  <0,001 
Diarreia  0,0 (0,0-66,7)  0,0 (0,0-33,3)  n.s. 
Dificuldades financeiras  16,7 (0,0-100,0)  0,0 (0,0-100,0)  n.s. 

QdV: Qualidade de Vida; n.s.: não significativo.

Analisando a QdV pelo QLQ-C30 estratificada de acordo com as classes de estadio de doença, podemos observar que as diferenças não apresentam significado estatístico. No entanto, os estadios avançados de doença estão associados a pior QdV, de acordo com o estado de saúde global/QdV e escalas funcionais. Quanto à sintomatologia, os doentes do grupo 2 apresentaram uma proporção inferior de sintomas como insónia ou proporção idêntica de sintomas (náuseas e vómitos, dor, falta de apetite, obstipação, diarreia e dificuldades financeiras) comparativamente aos doentes do grupo 1.

Analisando a QdV pelo QLQ-LC13, após estratificação por estado nutricional, observamos que os doentes desnutridos apresentam mais frequentemente disfagia (p=0,025) (Tabela 3). Não se encontraram diferenças com significado estatístico para nenhum dos itens considerados quando analisados de acordo com o estadio de doença.

Tabela 3.

Avaliação da QdV pelo EORTC QLQ-LC13, de acordo com o PG-SGA.

  Sem desnutrição(%) mediana(mínimo-máximo)  Desnutrição(moderada/grave)(%) mediana(mínimo-máximo)  p* 
Dispneia  22,2 (0,0-100,0)  38,9 (0,0-88,9)  n.s. 
Tosse  33,3 (0,0-100,0)  33,3 (0,0-100,0)  n.s. 
Hemoptises  0,0 (0,0-33,3)  0,0 (0,0-33,3)  n.s. 
Mucosites  0,0 (0,0-33,3)  0,0 (0,0-100,0)  n.s. 
Disfagia  0,0 (0,0-66,7)  0,0 (0,0-100,0)  0,025 
Neuropatia periférica  16,7 (0,0-100,0)  33,3 (0,0-100,0)  n.s. 
Alopécia  0,0 (0,0-100,0)  0,0 (0,0-100,0)  n.s. 
Dor no peito  33,3 (0,0-100,0)  33,3 (0,0-66,7)  n.s. 
Dor no braço ou ombro  0,0 (0,0-100,0)  0,0 (0,0-100,0)  n.s. 
Dor noutra parte do corpo  0,0 (0,0-100,0)  33,3 (0,0-100,0)  n.s. 

n.s.: não significativo.

Existe uma associação com significado estatístico entre desnutrição e o estado de saúde global/QdV, as escalas funcionais (excepto funcionamento emocional), as escalas de sintomas com excepção da dispneia, insónia, diarreia e dificuldades financeiras. A falta de apetite apresentou uma correlação elevada com a desnutrição (rho=0,7) e foram encontradas correlações moderadas entre desnutrição e os parâmetros fadiga, náuseas e vómitos e obstipação (Tabela 4).

Tabela 4.

Associação da QdV pelo EORTC QLQ-C30 e QLQ-LC13 e PG-SGA.

  rhoa  p 
EORTC QLQ-C30     
Estado de saúde global/QdV  -0,42  0,001 
Escala funcional     
Funcionamento físico  -0,47  <0,001 
Desempenho  -0,46  <0,001 
Funcionamento emocional  -0,26  n.s. 
Funcionamento cognitivo  -0,38  0,004 
Funcionamento social  -0,44  0,001 
Escala/itens sintomas     
Fadiga  0,54  <0,001 
Náuseas e vómitos  0,52  <0,001 
Dor  0,36  0,006 
Dispneia  0,14  n.s. 
Insónia  0,23  n.s. 
Falta de apetite  0,70  <0,001 
Obstipação  0,56  <0,001 
Diarreia  -0,01  n.s. 
Dificuldades financeiras  -0,11  n.s. 
EORTC QLQ – LC13     
Dispneia  0,29  0,032 
Tosse  0,09  n.s. 
Hemoptises  0,22  n.s. 
Mucosites  0,20  n.s. 
Disfagia  0,30  0,025 
Neuropatia periférica  0,11  n.s. 
Alopécia  0,07  n.s. 
Dor no peito  0,02  n.s. 
Dor no braço ou ombro  0,18  n.s. 
Dor noutra parte do corpo  0,18  n.s. 
a

Coeficiente de correlação de Spearman; n.s.: não significativo.

Analisando a associação entre a QdV (avaliada pelo QLQ LC-13) e a desnutrição, apenas existe uma associação fraca com significado estatístico entre a dispneia e a disfagia e o PG – SGA (Tabela 4).

Discussão

Os doentes com CPNPC em estadios avançados de doença apresentam uma elevada frequência de desnutrição (35,7%) e esta condição está associada a pior QdV.

Não foram encontradas diferenças na QdV por estadio de doença. No entanto, analisando a QdV estratificada por classes de estado nutricional, foram identificadas diferenças em vários parâmetros. De acordo com o esperado, os doentes desnutridos apresentam pior estado de saúde global/QdV, bem como pior funcionamento físico, emocional, social e de desempenho e também mais sintomatologia do que os doentes sem desnutrição. Foi encontrada uma elevada correlação entre a desnutrição e falta de apetite e correlação moderada entre a desnutrição e a fadiga, náuseas e vómitos e a obstipação.

Estes resultados são concordantes com os de diversos trabalhos, que demonstraram pior QdV em doentes oncológicos desnutridos. Ovesen et al.19, num estudo efectuado em 104 doentes com cancro do pulmão pequenas células, cancro da mama e cancro do ovário, demonstraram que os doentes com uma perda de peso moderada tinham mais stress psicológico e pior QdV. Andreyev et al.20 num estudo efectuado em 1555 doentes com cancro esofágico, gástrico, pancreático e colo-rectal, observaram que a perda de peso estava associada a um comprometimento significativo da QdV. Ravasco et al.21 num estudo realizado em 271 doentes com carcinoma da cabeça-pescoço, esofágico, gástrico e colo-rectal, observaram que a perda de peso e a reduzida ingestão energética e proteica estava associada a uma pior QdV. Gupta et al.22 num estudo efectuado em 58 doentes com diagnóstico de cancro colo-rectal, evidenciaram que doentes sem desnutrição apresentavam melhor QdV. Nourissat et al.23 num estudo efectuado em 907 doentes com diagnóstico de cancro colo-rectal, gástrico, hepático, esofágico, ovário, pancreático, pulmão, prostático, mamário, cervical e da bexiga, identificaram uma associação entre a perda de peso e pior QdV.

Este estudo tem vários pontos fortes. Os doentes incluídos são provenientes de apenas um centro, permitindo uma amostra mais homogénea. Uma vez que diferentes tipos de cancro e diferentes tipos histológicos apresentam diferentes tipos de comportamentos, restringimos a amostra a um único sub-tipo histológico de cancro do pulmão (CPNPC) de modo a aumentar a sua homogeneidade.

Para a caracterização nutricional, utilizámos um instrumento validado de modo a fazer uma descrição mais correcta e detalhada. O PG-SGA é o método de referência para avaliação do estado nutricional em doentes oncológicos e é reconhecido pelo Oncology Nutrition Dietetic Group da American Dietetic Association como o método de referência para avaliação nutricional em doentes oncológicos.10 Esta escolha representa um avanço comparativamente a estudos prévios que avaliaram o estado nutricional em doentes oncológicos, que se basearam apenas na perda de peso para definir desnutrição.19–21,23

Todos os dados foram recolhidos pela mesma investigadora limitando a possibilidade de variação inter-observador. As características demográficas como a idade e sexo são comparáveis às características encontradas previamente num estudo efectuado pela Comissão de Trabalho de Pneumologia Oncológica da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.24

A natureza transversal do presente estudo constitui uma limitação, impossibilitando o estudo de uma relação causal. O reduzido tamanho da amostra não permite uma análise multi-variada para avaliar a associação da desnutrição e QdV independentemente de outros factores relacionados com estas condições, como estadio de doença, efeitos secundários de tratamentos e resultado do tratamento. O baixo número de observações em determinados parâmetros pode ter aumentado a possibilidade de erros tipo II, devido à falta de poder estatístico. O facto de elevada proporção da amostra não ter sido avaliada logo após o diagnóstico, e, tendo já efectuado ou estando na altura da avaliação para o presente estudo, a efectuar diversas opções terapêuticas, poderá contribuir para estimativas mais elevadas da frequência da desnutrição. A presente amostra é heterogénea incluindo doentes em diferentes fases da evolução da doença, contudo, ilustra o tipo de doentes em tratamento numa unidade prestadora de cuidados de saúde desta natureza.

Em resumo, os doentes com CPNPC apresentam elevadas frequências de desnutrição em estadios avançados de doença (estadios precoces de doença: 1,8% vs. estadios avançados de doença: 33,9%). Os doentes desnutridos apresentam pior estado de saúde global/QdV, funcionamento físico, emocional, social e desempenho. Apresentam também mais sintomatologia, nomeadamente a fadiga, as náuseas e vómitos, a dor, a insónia, a falta de apetite e a disfagia. A desnutrição encontra-se associada a pior QdV, especificamente: falta de apetite, fadiga, náuseas e vómitos e obstipação. Estes resultados representam uma primeira abordagem a este assunto que reforça a importância da avaliação do estado nutricional e da QdV em doentes com CPNPC, uma vez que estes parâmetros podem ser modificados quando precocemente e devidamente avaliados.

Conflito de interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

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