Os benefícios obtidos pela oxigenoterapia de longa duração (OLD) em doentes com DPOC e hipoxemia em repouso (PaO2 inferior a 60mmHg) estão bem documentados por inúmeros estudos. Nestes doentes a OLD prolonga a so-brevida, reduz o número de internamentos e o desenvolvimento de hipertensão pulmonar secundária, melhora a capacidade para realizar as actividades da vida diária e promove a melhoria da qualidade de vida relacionada com a saúde. Não está contudo claramente estabelecido se a oxigenoterapia é benéfica em doentes com DPOC e hipoxemia ligeira a moderada. Alguns estudos demonstraram que a administração de oxigénio durante o exercício resultou na melhoria da tolerância ao esforço e na redução da dispneia em alguns doentes com DPOC e hipoxemia ligeira em repouso. Não ficou claro qual o tipo de doentes com DPOC que mais beneficiará desta terapêutica. Neste trabalho os autores estudaram os efeitos da oxigenoterapia na capacidade para o exercício e na hemodinâmica pulmonar durante o esforço em doentes com DPOC com hipoxemia ligeira (PaO2 superior a 60mmHg) e normocapnia em repouso e obstrução brônquica ligeira a grave. Estudaram 75 doentes do sexo masculino, dos quais 16 tinham obstrução brônquica ligeira (FEV1 > 50% do teórico), 25 tinham obstrução brônquica moderada (FEV1: 35-50% do teórico) e 34 tinham obstrução brônquica grave (FEV1≤50% do teórico). A capacidade para o exercício foi avaliada através da prova de marcha de 6 minutos. O estudo da hemodinâmica pulmonar (pressão da artéria pulmonar, pressão de oclusão da artéria pulmonar, pressão da aurícula direita e débito cardíaco) foi realizada em 43 doentes, através da cateterização de uma veia antecubital com cateter de Swan-Ganz, enquanto estes doentes realizavam uma prova de esforço com carga constante de 25 watts em cicloergómetro em posição supina. Para ambos os modos de exercício (prova de marcha e prova de carga constante em cicloergómetro) foi administrado oxigénio suplementar ou ar comprimido a 2 litros por minuto. Obtiveram os seguintes resultados:
A administração de oxigénio durante a prova de marcha resultou num aumento significativo da distância percorrida em todos os grupos de doentes sendo significativamente superior nos doentes com obstrução moderada a grave e nos doentes que apresentaram maior dessaturação durante a prova de marcha sob ar comprimido.
Durante a prova de carga constante em cicloergómetro verificaram um aumento significativo da pressão da artéria pulmonar (PAP), da pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP) e do índice cardíaco em todos os grupos de doentes e da resistência vascular pulmonar (RVP) no grupo de doentes graves.
A administração de oxigénio durante o exercício promoveu uma atenuação significativa no aumento da PAP e da POAP e inibiu completamente o aumento da RVP. A redução da POAP durante o exercício sob oxigénio correlacionou-se positivamente com o índice de air-trapping (diferença entre a capacidade vital — VC — e a capacidade vital forçada — FVC).
Os autores sugerem que a administração de oxigénio durante o exercício é benéfica em doentes com DPOC com obstrução moderada a grave. Estes benefícios traduziram-se numa melhoria do desempenho no esforço e redução da hipertensão pulmonar durante o exercício, mesmo nos doentes que em repouso ou durante o exercício evidenciaram apenas uma hipoxemia ligeira.
COMENTÁRIOEste estudo foi o primeiro a demonstrar que a administração de oxigénio pode melhorar a tolerância ao esforço em doentes com DPOC sem hipoxemia significativa em repouso ou durante o exercício.
São vários os mecanismos apontados para a melhoria da tolerância ao esforço como resultado da administração de oxigénio: o alívio da dispneia, a prevenção da dessaturação durante o exercício, a melhoria da hemodinâmica pulmonar, a redução da ventilação e, consequentemente, da hiperinsuflação pulmonar dinâmica, e a melhoria do transporte e entrega de oxigénio aos tecidos, promovendo o metabolismo oxidativo ao nível dos músculos respiratórios e dos músculos periféricos durante o exercício1−6.
O’Donnell et al1,3 sugerem que o alívio da dispneia e a melhoria da tolerância ao exercício com a administração de oxigénio podem ser explicadas pela redução da ventilação e consequentemente pela redução da hiperinsuflação dinâmica, em particular nos doentes que são relativamente normoxémicos em repouso. Somfay et al7 demonstraram recentemente que o suplemento de oxigénio reduziu significativamente os scores de dispneia, a hiperinsuflação dinâmica (avaliada indirectamente pela medição dinâmica da capacidade inspiratória), a ventilação e a frequência respiratória durante o exercício em doentes não hipoxémicos com DPOC grave. A melhoria observada na capacidade para o exercício correlacionou-se com a redução da hiperinsuflação dinâmica. Esta ocorre em doentes com DPOC com obstrução grave das vias aéreas e hiperinsuflação pulmonar avaliada em repouso, tem um efeito mecânico deletério sobre os músculos respiratórios, contribui para a sensação de dispneia e limita a capacidade para o exercício2,8. Desta forma, é de esperar que os efeitos do oxigénio sejam mais evidentes em doentes com obstrução grave das vias aéreas.
Quanto ao efeito do oxigénio na dinâmica vascular pulmonar, com redução do incremento da pressão da artéria pulmonar durante o exercício, pode ser explicado pela redução da vasoconstrição hipóxica. Por outro lado, a redução da pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP) com o oxigénio leva à redução da pressão da artéria pulmonar nos doentes com DPOC moderada a grave e a POAP correlaciona-se positivamente com o índice de air-trapping (VC-FVC), sugerindo que a redução da hiperinsuflação dinâmica devido à supressão da ventilação pelo oxigénio pode resultar na redução da POAP.
Este estudo baseou-se nos efeitos “agudos” da administração de oxigénio sobre a hemodinâmica pulmonar e a capacidade para o exercício. Mas torna-se importante avaliar os efeitos a longo prazo da oxigenoterapia. Zielinski et al9 estudou o efeito da OLD na hemodinâmica pulmonar num grupo de 95 doentes com DPOC ao longo de seis anos e verificou que a OLD administrada 14 a 15 horas por dia, resultou numa pequena redução da hipertensão pulmonar ao fim de dois anos, seguindo-se um retorno aos valores iniciais com estabilização subsequente até ao final do estudo. A estabilização da hipertensão pulmonar ocorreu apesar do agravamento progressivo da limitação do débito das vias aéreas e da acentuação da hipoxemia.
Quanto ao efeito da oxigenoterapia a longo prazo sobre a capacidade para o exercício, em particular em programas de reabilitação, existem poucos estudos que documentem o seu efeito. Teoricamente o oxigénio permite treinar os indivíduos com cargas mais elevadas ou permitir maior duração do treino, o que irá melhorar a capacidade aeróbica e atingir níveis mais eficazes de treino. Este pressuposto tem implicado que grande parte dos programas de reabilitação com treino ao exercício em doentes com DPOC que dessaturam com o esforço, tem sido realizado sob oxigenoterapia. Dois estudos recentes (Garrod et al4 e Rooyakers JM et al10) demonstraram que o oxigénio suplementar não revelou benefícios significativos durante a reabilitação em doentes que dessaturavam com o esforço. No primeiro4 verificou-se uma redução significativa da dispneia no grupo que recebeu oxigénio, embora não se tenha verificado um aumento significativo da capacidade para o exercício. No segundo estudo 10, os doentes tinham indicação para suspender o exercício logo que a saturação de oxigénio atingisse os 90%, pelo que não foi avaliada até que ponto os doentes dessaturavam com o exercício. Estes estudos envolveram um pequeno número de doentes, o que pode revelar-se insuficiente para detectar benefícios significativos, sendo necessários estudos mais alargados para responder a esta questão.
- Home
- All contents
- Publish your article
- About the journal
- Metrics
- Open access