Nos doentes com DPOC, a fraqueza dos músculos esqueléticos associa-se frequentemente a uma menor tolerância ao exercício físico. Esta constatação tem justificado o recurso ao treino de força na intervenção terapêutica a estes doentes.
Neste trabalho, os autores fazem uma revisão sistemática dos artigos publicados sobre este tema, procurando evidência actual que justifique esta intervenção.
A intolerância ao exercício físico é um dos sintomas que caracteriza a doença pulmonar obstrutiva crónica, acentuando-se particularmente com a progressão da doença, levando à incapacidade para a realização das actividades da vida diária e a um isolamento progressivo do doente.
Tem sido demonstrada a presença de disfunção do músculo esquelético no doente com DPOC1. Foi identificada uma redução do número de fibras de tipo I, a atrofia das fibras de tipo I e II, a redução do número de capilares e a alteração dos níveis de enzimas metabólicas2. Parecem contribuir para estas alterações numerosos factores, como a hipóxia, a hipercápnia, a inflamação, as alterações de nutrição, o descondicionamento muscular e a miopatia associada ao uso de esteróides. Sendo alterações localizadas no músculo esquelético, a intervenção terapêutica dirigida a estes, através do treino muscular, parece ter um papel relevante no tratamento desta população de doentes.
O treino muscular mais frequentemente utilizado nos doentes com DPOC tem sido o treino de endurance, com benefícios documentados a nível da endurance muscular e da capacidade para o exercício. Por seu lado, o treino de força poderá proporcionar melhoria a nível da atrofia e da fraqueza dos músculos esqueléticos nestes doentes. Os autores desta revisão pesquisaram a evidência actual para os benefícios do treino de força nos músculos esqueléticos, em particular no que diz respeito à incapacidade, à limitação da actividade e às restrições da participação.
Os artigos revistos incluíam protocolos de treino de força (exercícios com aplicação de resistências de intensidade crescente) isolados ou em combinação com outras formas de treino, em doentes com DPOC. O treino de força era aplicado aos músculos esqueléticos periféricos, e a duração do treino era superior a 6 semanas. Foram analisados 13 artigos: 9 estudos empíricos e 4 revisões temáticas. A média de idades dos doentes foi de 62 anos (de 48,5 a 71,5 anos), sendo a população maioritariamente do sexo masculino. Os doentes apresentavam um FEV1 (percentagem do previsto) de 46,1% (de 38 a 77,5%) representando em média uma obstrução moderada.
Registaram-se elevados níveis de aderência ao treino e em nenhum dos estudos foram reportados efeitos adversos ou suspensão do protocolo de treino.
Os estudos evidenciaram melhoria a nível da força dos membros superiores e inferiores, bem como a nível da função psicológica (vitalidade, saúde mental, limitações emocionais e de saúde). Um dos estudos reportou um efeito significativo a nível do estado de saúde avaliado pelo questionário SF-36. Os estudos não foram consensuais relativamente aos efeitos do treino na participação (envolvimento nas actividades sociais). Verificaram-se, em dois estudos, efeitos do treino a longo termo, sendo os efeitos encontrados aos 12 meses similares aos reportados às 12 semanas após completar o programa.
Não se encontraram melhorias a nível da função respiratória avaliada em repouso. A maior parte dos estudos não evidenciou igualmente melhoria da capacidade máxima de exercício após o treino de força.
Os autores concluem que o treino de força dos músculos periféricos pode ser vantajoso e adequado nos doentes com DPOC.
Sugerem como áreas de investigação o impacto deste tipo de treino no desempenho funcional nas actividades da vida diária e na participação social.
COMENTÁRIOA doença pulmonar obstrutiva crónica constitui actualmente um grave problema de saúde pública.
Trata-se de uma doença incapacitante, em que um dos principais sintomas é a intolerância para o exercício e, em consequência, para as actividades da vida diária, com progressivo sedentarismo, perda da autonomia, depressão e isolamento social.
Nos últimos anos, foi demonstrado que a disfunção dos músculos esqueléticos é um dos factores que contribui para a intolerância ao exercício nestes doentes. A abordagem terapêutica da disfunção muscular através da aplicação de programas de treino no exercício tem demonstrado melhorar a tolerância ao esforço nestes doentes.
A importância do exercício no tratamento do doente com DPOC é assinalada no relatório do projecto mundial para a DPOC ou projecto GOLD3. Os programas de reabilitação pulmonar que incluem o treino de exercício têm demonstrado vários benefícios, nomeadamente a melhoria da capacidade para o exercício, a redução da dispneia, a melhoria da qualidade de vida relacionada com a saúde, a redução do número de internamentos e do número de dias de internamento, a redução da ansiedade e da depressão associada à DPOC, a melhoria da função dos membros superiores com o treino de força e de endurance. Estes benefícios estendem-se para além do período de treino e aumentam a sobrevida destes doentes3.
Benefícios do treino de enduranceOs estudos realizados nos últimos anos dão suporte à utilização do treino de exercício como indutor de alterações fisiológicas nos músculos da deambulação que conduzem à melhoria da tolerância ao exercício no doente com DPOC. As biópsias musculares realizadas antes e após programas de treino de endurance demonstraram aumento das enzimas do metabolismo oxidativo4. Após um programa de treino é possível realizar um exercício intenso com menor produção de ácido láctico, o que se associa a uma produção relativa mente menor de dióxido de carbono e, consequentemente, menor ventilação5. A cinética do consumo de oxigénio torna-se mais rápida após um programa de treino, o que indica uma melhor função aeróbica dos músculos6.
Benefícios do treino de forçaO principal objectivo do treino de força em doentes com DPOC é o desenvolvimento de uma condição muscular que melhore a capacidade de cada indivíduo para recuperar um estilo de vida independente.
Os trabalhos realizados neste âmbito revelam melhoria no desempenho do exercício submáximo e na qualidade de vida7, bem como aumento significativo da força e da massa musculares8.
As modalidades de treino de força podem ser diversas: treino de força muscular contra resistência manual do fisioterapeuta, uso de bandas elásticas, pesos livres, agachamentos ou uso de máquinas de treino isotónico (ex: ergómetros de manivela) ou isocinético. Na avaliação dos resultados do treino deverá ser escolhida a metodologia mais adequada à modalidade de treino escolhida.
Na DPOC, o treino de força tem a vantagem de impor menores exigências ventilatórias quando comparado com o exercício de endurance de características gerais, que envolve maiores massas musculares. Esta vantagem permite a utilização de maior intensidade de cargas, com maiores benefícios na capacidade aeróbica muscular local.
O treino de força pode ser uma alternativa ao treino de endurance em doentes com fraqueza muscular acentuada. Em doentes com grande limitação no exercício, que não toleram a realização de exercícios dinâmicos de características gerais, o treino em circuito com realização de exercícios de força localizados de forma alternada a um dos membros superiores, depois a outro, passando depois a um dos membros inferiores e depois a outro, cria condições para uma adaptação local à
realização de determinadas tarefas e à elevação desejável do consumo de oxigénio.
Num estudo que comparou os efeitos do treino de endurance com o treino de resistência em doentes com DPOC e fraqueza dos músculos periféricos, encontraram-se efeitos similares nos dois tipos de treino, nomeadamente na melhoria da força dos músculos periféricos, na capacidade para o exercício e na qualidade de vida9.
Ainda não está claramente estabelecida a melhor modalidade de treino para os doentes com DPOC. Alguns autores apontam para os benefícios de um programa de treino que combine as duas modalidades: endurance e força, já que os benefícios específicos de cada uma delas se associam (aumento da força muscular e da endurance) e ambas podem melhorar significativamente a dispneia10.
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