A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) constitui, na actualidade, a quinta causa de morte, enquanto a pneumonia adquirida na comunidade (PAC) ocupa o sétimo lugar.
O objectivo do presente estudo foi demonstrar que a DPOC como comorbilidade representa um factor preditivo do aumento da mortalidade em doentes hospitalizados com PAC. Foi colocada a hipótese de que doentes com DPOC e PAC apresentavam uma taxa de mortalidade superior aos indivíduos sem a referida patologia crónica.
Trata-se de um estudo retrospectivo de doentes internados com PAC em dois hospitais universitários dos Estados Unidos da América.
Foram incluídos doentes admitidos entre 1 de Janeiro de 1999 e 1 de Dezembro de 2002 com o diagnóstico principal de pneumonia ou em que esta constituía uma intercorrência infecciosa em doentes com insuficiência respiratória ou sepsis como diagnóstico primário. Eram indivíduos com idade ≥ 18 anos e diagnóstico de admissão de PAC apresentando uma radiografia do tórax ou tomografia axial computorizada efectuada nas primeiras 24 horas com achados consistentes com pneumonia. Critérios de exclusão: Alta de uma unidade de cuidados intensivos nos 14 dias que precederam a admissão; transferência de outra entidade hospitalar; infecção VIH/SIDA. Na ausência da avaliação de função pulmonar, foram considerados como doentes com esta patologia crónica as referências no boletim de internamento a enfisema, bronquite crónica e DPOC. Esta é a estratégia utilizada na aplicação de regras preditivas e reflecte o método utilizado no índice de gravidade de pneumonia presente em múltiplos estudos.
Foram avaliadas a mortalidade aos 30 e 90 dias, o tempo de internamento, a admissão numa unidade de cuidados intensivos e a necessidade de ventilação mecânica. A mortalidade nos referidos períodos permite determinar a proporção de mortes atribuídas a pneumonia ou outras causas.
O diagnóstico definitivo foi baseado na presença de uma das seguintes condições: Hemoculturas positivas para agentes bacteriológicos ou fúngicos; cultura de líquido pleural positivo para agentes patogénicos; aspirado traqueobrônquico com elevado número de agentes bacteriológicos nocivos; crescimento significativo de estirpes agressivas em amostras obtido por broncofibroscopia (≥ 1 × 103 colónias/ml).
O índice de gravidade da pneumonia foi utilizado para determinar a gravidade do quadro inaugural de pneumonia. Representa um factor preditivo de mortalidade aos 30 dias em doentes com PAC. Baseia-se em 3 características demográficas, 5 patologias associadas (comorbilidade), 5 achados do exame objectivo e 7 achados radiológicos ou laboratoriais no momento da admissão. Os doentes foram classificados em 5 classes, sendo o risco de mortalidade aos 30 dias de 0,1% na classe I e 27% na classe V.
Dos 744 doentes admitidos por PAC, 215 tinham o diagnóstico concomitante da DPOC, sendo 582 (78%) homens e 162 (22%) mulheres. A idade média era de 61±16 anos (dos 18 aos 105). 83% foram admitidos no serviço de emergência provenientes do domicílio e 7% de lares; 17% tinham sido submetidos a antibioterapia no domicílio.
Uma ou mais comorbilidades estavam presentes em 55% de doentes. As mais frequentes foram a insuficiência cardíaca congestiva (123 doentes) e o acidente vascular cerebral (105 indivíduos). Não existia patologia prévia em 15% dos casos. A presença de PAC em doentes com DPOC foi mais frequente em idosos provenientes de um lar e admitidos numa unidade de cuidados intensivos nas primeiras 24 horas. A existência concomitante de DPOC e ICC ou doença neoplásica era comum. O exame objectivo e os achados laboratoriais e radiológicos demonstraram que os doentes com DPOC estavam, com maior frequência, taquipneicos, acidóticos e hipoxémicos.
A administração de antibióticos nas primeiras 4 horas ocorreu com maior incidência no grupo com DPOC (35 versus 26%), tendo sido submetidos a menor número de exames diagnósticos (hemocultura pré-antibioterapia nas primeiras 24 horas 70 versus 77%). Não se observou diferença significativa no nível de oxigenação entre os dois grupos.
O diagnóstico bacteriológico foi obtido em 23% dos doentes com agentes isolados em cultura do sangue e expectoração. A bacteriemia estava presente em 10% dos doentes sem DPOC e 4,6% dos indivíduos com esta patologia. Hemoculturas positivas em 8,5%. Os agentes mais frequentes foram o Streptococcus pneumoniae (56) e o Staphylococcus aureus (39 casos). Os doentes com PAC e DPOC apresentaram mais infecções por Pseudomonas aeruginosa e Haemophilus influenzae, mas menos por S. aureus do que os doentes sem DPOC. O tempo de internamento foi mais prolongado nos indivíduos com DPOC (9±25 versus 7±8 dias). A mortalidade global aos 30 e 90 dias foi de 10 e 14%, respectivamente. Esta foi inferior no grupo sem DPOC: 30 dias – 8,7% versus 10,6%; 90 dias – 11,7% versus 18,6%. O índice de gravidade da pneumonia foi mais elevado nos doentes com DPOC (105±32 versus 87±34), bem como a taxa de admissão numa unidade de cuidados intensivos (20%), mas a necessidade de ventilação mecânica não. Verificou-se, também, que não houve diferença na mortalidade aos 30 e aos 90 dias nos doentes com PAC e DPOC admitidos numa UCI e sob ventilação mecânica ou que apresentavam bacteriemia.