A doença infecciosa contribui para uma elevada morbilidade e mortalidade no doente oncológico, representando a pneumonia adquirida na comunidade a mais frequente.
O desenvolvimento de PAC no doente neoplásico parece advir da modificação de mecanismos de defesa imunitária resultante, quer da patologia maligna, quer do tratamento oncológico. O risco de infecção relacionada com o tipo de neoplasia pode associar-se ao défice de imunidade humoral, celular ou do número de neutrófilos. As doenças hematológicas malignas podem predispor o doente às infecções devido à substituição da medula por células neoplásicas. Consequentemente, estes doentes têm neutropenia funcional, apesar de apresentarem, muitas vezes, um número normal ou aumentado de neutrófilos. Por outro lado, estes doentes podem ter neutropenia como efeito secundário da quimioterapia e/ou radioterapia (neutropenia absoluta).
A gravidade da neutropenia foi considerada como principal factor de risco isolado no doente neoplásico, com particular relevância se o número de neutrófilos ≤500cel/mm3.
A mortalidade global atribuída à neutropenia febril no doente neoplásico é de 30–50%. Nas últimas décadas, o tratamento das infecções na população oncológica foi direccionado, primariamente, para o manuseamento da neutropenia febril, devido ao facto de o local da infecção não ser determinado em 50–80% dos casos.
As guidelines da American Thoracic Society de 2001 utilizavam a neutropenia para identificar os quadros mais graves de PAC nos doentes oncológicos. Os doen tes com patologia hematológica e neutropenia funcional ou indivíduos com qualquer tipo de neoplasia e neutropenia absoluta foram excluídos das referidas guidelines. A decisão de incluir doentes com tumores sólidos não neutropénicos foi baseada, apenas, na opinião de especialistas. Assim, os clínicos podiam sentir-se confiantes e tratar a PAC no doente oncológico não neutropénico como na população geral.
No entanto, o papel da neutropenia no prognóstico de doentes neoplásicos hospitalizados com PAC não tinha, ainda, sido investigado
O objectivo do presente estudo foi comparar o prognóstico de doentes neoplásicos e doentes imunocompetentes com PAC, bem como o prognóstico de indivíduos com patologia maligna e neutropenia absoluta ou funcional e sem neutropenia.
Foi efectuada uma análise retrospectiva envolvendo 43 hospitais em 12 países no período compreendido entre Junho de 2001 e Janeiro de 2006. Foram incluídos os indivíduos com idade ≥ 18 anos com critérios de PAC, tendo sido eliminados os portadores de infecção VIH. A PAC foi definida pela presença de infiltrado pulmonar “de novo” na radiografia do tórax na altura do internamento, associado a, pelo menos, um dos seguintes parâmetros: tosse ou aumento da intensidade desta; tax <35,6°C ou >37,8°C; número de leucócitos no sangue periférico (leucocitose, desvio esquerdo ou leucopenia).
Neoplasia foi definida como qualquer tipo de malignidade diagnosticada nos 12 meses anteriores ou neoplasia activa. Considerou-se que esta estaria presente em doentes sob quimioterapia e/ou radioterapia nos 12 meses precedentes ou com sinais ou sintomas de neoplasia ao longo do último ano. Doentes com neoplasia de células escamosas ou basais da pele foram consideradas imunocompetentes.
A neutropenia foi classificada como funcional ou absoluta. A primeira estava presente em doentes com doença hematológica maligna. A neutropenia absoluta correspondeu a um número de neutrófilos <500cel//mm3 na admissão hospitalar.
Os doentes com PAC foram divididos em dois grupos: doentes não oncológicos – Grupo I, e doentes com neoplasia – Grupo II. Este último foi, por seu turno, subdividido em dois subgrupos, de acordo com o tipo de neoplasia e o número de neutrófilos – doentes com tumor sólido sem neutropenia (Grupo IIa) e doentes com neutropenia (Grupo IIb).
Foram avaliados a mortalidade, a duração do internamento e o tempo de estabilização clínica.
Foram estudados 3106 indivíduos com PAC dos quais 135 eram doentes neoplásicos sem neutropenia e 75 tinham neoplasia e neutropenia.
A taxa de mortalidade foi significativamente superior nos doentes oncológicos em comparação com os doen tes não neoplásicos (14% versus 8%). Nestes últimos, a morte foi atribuída à PAC em 30% dos casos. A presença de neoplasia na população estudada teve impacto significativo na mortalidade quando ajustado para as covariáveis.
Os doentes com neoplasia também tiveram um tempo de estabilização clínica significativamente superior (5,1±2,6 dias versus 4,6±2,5 dias) e um tempo de internamento mais prolongado (9,3±4,8 dias versus 8,4±4,7 dias).
Nos doentes neoplásicos com ou sem neutropenia, o tempo de estabilização clínica foi semelhante nos dois subgrupos (5,7±2,7 versus 4,9±2,7 dias, respectivamente), bem como o tempo médio de internamento (9,2±7,7 versus 9,9±9,6 dias, respectivamente).
Não se verificou uma diferença estatisticamente significativa na taxa de mortalidade dos doentes oncológicos com ou sem neutropenia (18% versus 15%), mas esta diferença já foi significativa quando comparados indivíduos não neoplásicos com os doentes neo plásicos sem neutropenia (8% versus 15%) e com neutropenia (8% versus 18%).
Eur Respir J 2009; 33:142-147.