A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), uma situação caracterizada por obstrução das vias aéreas, pouco reversível sob o efeito dos broncodilatadores e inexoravelmente progressiva, tem beneficiado durante a última década de notáveis avanços terapêuticos. Um dos passos mais decisivos neste sentido foi a confirmação de resultados concretos e seguros na sua terapêutica de manutenção. No entanto deve salientar-se que se trata de uma doença heterogénea, em que diversas características clínicas e de diferente prognóstico podem existir sob o mesmo grau de obstrução das vias aéreas1,2.
Este é um facto que recentemente tem sido mais aprofundado e que limita muitas das conclusões dos estudos de terapêutica de fundo da DPOC. Caso as populações escolhidas sejam mal aleatorizadas, poderemos estar a comparar grupos diferentes, mesmo que o grau de obstrução das vias aéreas seja comparável.
O indacaterol surge neste espectro de actuação como um avanço significativo, capaz de assumir o protagonismo na escolha do clínico prático3–5.
Os bons resultados que observamos em vários doentes que o têm experimentado não passam todavia sem um devido enquadramento, que implica que realce aqui algumas das limitações ao seu uso em maior escala.
Sabe-se que há limitações terminantes ao uso de beta-2 agonistas de longa duração de acção na asma6, devido a alguma insegurança no seu perfil de efeito nestes doentes. Embora na DPOC tal facto não tenha assumido aspectos limitativos, ainda é insuficiente a publicação de dados a este respeito com o indacaterol, pois não existem estudos de suficiente duração, controlados e com ocultação dupla. Para além disso, os estudos clínicos com o indacaterol têm sido limitados a graus de intensidade moderada a grave, ainda não se sabendo a sua repercussão em casos de DPOC com insuficiência cardíaca e/ou respiratória, os muito graves.
Se é verdade que se exige de uma nova medicação um substancial portfólio de experimentação, que deverá fazer a ponte para o mundo real da prática clínica, mais importante ainda é assegurar a sua segurança, através de uma ampla base de informação, de diversa origem, que em conjunto constituam um suficiente lastro de confiança. Parece-me ainda escasso o conjunto de informação que suporta o indacaterol. Para a terapêutica de manutenção da DPOC é absolutamente necessária a evidência que advenha de estudos de longa duração, que atinjam e se possível excedam os dois anos de uso contínuo, em desenho controlado, paralelo e em dupla ocultação. Será nestas condições que o iremos usar na prática quotidiana e são necessários estudos deste alcance, de que o indacaterol ainda não dispõe.
A rapidez do início da acção do indacaterol, comprovada relativamente a outros agentes terapêuticos da manutenção, na DPOC, e comparável à do salbutamol, deverá ser um factor de acréscimo na aderência dos doentes a este tipo de medicação, a longo prazo7. Mas este início rápido de acção só tem significado estatístico no primeiro dia de tratamento, em estudos comparativos com o tiotrópio8,9.
Por outro lado os doentes são frequentemente incumpridores da sua terapêutica inalatória. Com os dados de que o indacaterol dispõe, ainda não há evidência que assegure que um doente que confie “demasiado” no alívio rápido que o indacaterol proporcione, nomeadamente em fases de exacerbação, multiplicando o seu uso de forma abusiva, esteja em razoável segurança. É que, sendo o limite da dose importante a este respeito, pode nestes casos ser comprometida, de modo que ainda não foi adequadamente esclarecido.
Nos 5 principais estudos em que o indacaterol se baseia, o principal efeito adverso é o agravamento da evolução da DPOC10, e o mais comum a tosse irritativa a seguir à administração do fármaco, o que deverá ser futuramente explicado por novos dados, com terapêutica a mais longo prazo.
Para a abordagem da manutenção da DPOC não parece bastar que um fármaco assegure a broncodilatação e melhore a dispneia ou a qualidade de vida11. Há que demonstrar a sua actuação no apoio à reabilitação motora e na prevenção das exacerbações agudas, o seu efeito no declínio da função respiratória e na mortalidade por todas as causas12. Aguardam-se ainda mais resultados nestes sectores para o indacaterol, relativamente aos outros fármacos para a terapêutica da DPOC a longo termo.
Outra objecção ao início da terapêutica da DPOC com fármacos beta-2 agonistas, que começa a tomar corpo, é o facto de os receptores colinérgicos terem um papel mais relevante do que os receptores adrenérgicos, na patogenia da DPOC, o que está recentemente ligado ao desencadear dos mecanismos inflamatórios da mesma13.
Começam a surgir dados que favorecem a combinação do indacaterol com anticolinérgicos de longa duração de acção, em doentes que não estão bem controlados com um único agente broncodilatador de longa acção, como solução mais eficaz e segura para a terapêutica de manutenção da DPOC moderada a grave14, reforçando uma estratégia já anteriormente defendida de procurar a broncodilatação máxima, como alvo primário da intervenção farmacológica nestas fases da DPOC.
Em conclusão, para que o indacaterol constitua um instrumento terapêutico válido no tratamento da DPOC, quer isolado, quer em combinação, consideramos que são necessários mais estudos longos e de qualidade científica comprovada.
Conflito de interessesO Dr. José M. Reis Ferreira é pneumologista do Hospital da Força Aérea, em Lisboa, e não tem interesse declarado neste campo. Tem recebido verbas por consultoria externa do foro respiratório e participação em Advisory Board (Spiriva-tiotrópio) ou em palestras de Boehringer Ingelheim, Lda e OM Pharma Portuguesa, por formação deste foro na Associação Nacional das Farmácias e apoios para participação em eventos formativos da BIAL Pharma, Astra Portuguesa, Laboratórios Vitória, Boehringer Ingelheim, Tecnifar, Carefusion (Viasys), Pulmocor – Equipamentos Médicos, Lda, Radiometer Portuguesa, Vitalair, Gasin e Merck Sharp & Dohme /Schering Portuguesa.