Existem dados na literatura sobre o uso das propriedades imunomoduladoras de alguns macrólidos no tratamento da pneumonia organizativa criptogénica (COP) como alternativa aos corticoesteróides na doença ligeira ou como adjuvantes da terapêutica padrão.
Os autores descrevem o caso de uma mulher de 60 anos de idade, com asma intrínseca controlada, que apresentou uma COP e exacerbações respiratórias de repetição, apesar da corticoterapia e terapêutica imunossupressora instituídas. Após início de azitromicina (500mg, dias alternados), como adjuvante da corticoterapia, verificou-se melhoria clínica e funcional e regressão dos infiltrados pulmonares. A suspensão dos corticoesteróides foi possível no período de um ano, sem evidência de recidiva nos seis meses seguintes. A azitromicina foi mantida (3 vezes/semana) sem documentação de efeitos laterais.
Este caso clínico reforça o potencial papel das propriedades anti-inflamatórias dos macrólidos na COP, como terapêutica adjuvante dos corticoesteróides.
There are literature data about the immunomodulatory properties of some macrolides in cryptogenic organizing pneumonia (COP) as an alternative to corticosteroids in mild disease or as adjuvant to standard therapy.
A sixty-year-old female, with a controlled intrinsic asthma, presented with COP and recurrent respiratory exacerbations despite corticosteroid and immunossupressant therapy. Azithromycin (500mg, on alternate days) as an adjuvant to steroids was then started, with clinical and functional improvement and regression of lung infiltrates. Withdrawal of steroids was possible in one year, without evidence of relapse in the next six months. Azithromycin was maintained (three times per week) with no documentation of adverse side effects.
This clinical case reinforces the potential role of macrolides anti-inflammatory properties in COP as corticosteroids adjuvant therapy.
A pneumonia organizativa criptogénica (COP) é uma doença inflamatória que afecta sobretudo os espaços alveolares, ductos e as pequenas vias aéreas, podendo também envolver o interstício pulmonar.1 O padrão histológico consiste numa pneumonia organizativa (OP), o qual pode ser encontrado em variados contextos. O termo COP é aplicado quando a doença tem etiologia idiopática.1
Os corticoesteróides constituem a terapêutica de primeira linha preconizada na maioria dos doentes, sendo habitualmente eficazes e condicionando um bom prognóstico.2,3 Existe, contudo, alguma evidência de resposta às propriedades imunomoduladoras dos macrólidos como terapêutica crónica em dose baixa, como uma abordagem alternativa em doentes com doença ligeira ou que não toleram a corticoterapia, ou como adjuvantes do tratamento padrão.4–9
Descreve-se o caso de uma mulher de 60 anos de idade, com asma brônquica intrínseca controlada, que apresentou uma COP e múltiplas exacerbações respiratórias, apesar da terapêutica com corticoesteróides e imunossupressores, tendo sido medicada com azitromicina, como adjuvante dos corticoesteróides, com sucesso. Os autores apresentam uma breve revisão da literatura sobre os efeitos dos macrólidos nas doenças inflamatórias crónicas das vias aéreas.
Caso clínicoUma mulher de 60 anos de idade com asma brônquica intrínseca controlada (intermitente), diagnosticada na infância, apresentou um quadro clínico de pneumonias de repetição motivando múltiplas admissões hospitalares. A doente era não fumadora e exercia a actividade profissional de administrativa financeira.
Nos últimos cinco anos, para além de terapêutica inalatória crónica com uma associação de broncodilatador de longa acção e corticoesteróide (salmeterol 50/fluticasona 250μg), foi submetida a vários cursos de corticoterapia sistémica e antibióticos na sequência de exacerbações respiratórias caracterizadas por febre, sibilância, dispneia e, por vezes, toracalgia pleurítica. Durante estes episódios, a tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) torácica mostrou consolidações periféricas e multifocais, migratórias, com broncograma aéreo e padrão em vidro despolido, por vezes sem resolução completa nas intercrises (Figura 1). O lavado broncoalveolar (LBA) realizado numa das admissões hospitalares revelou neutrofilia (12,8%) e esosinofilia ligeira (2,2%), sem linfocitose (13,6%). Não foi isolado qualquer agente microbiológico e não havia evidência de malignidade. Os estudos de auto-imunidade e serológicos efectuados não indicaram qualquer etiologia específica. A biopsia transtorácica realizada com agulha de histologia foi inconclusiva. Entretanto, constatou-se uma deterioração clínica e funcional progressivas, manifestando-se com uma síndrome ventilatória obstrutiva moderada (VEMS=53%) sem reversibilidade ao broncodilatador, hipoxemia ligeira (Pa02=71,5mmHg) e dessaturação significativa na prova de marcha dos 6 minutos (Sat. O2- 95-90%, 500 m). A doente foi referenciada para a Consulta de Pneumologia, tendo sido submetida a uma segunda biopsia transtorácica com agulha de histologia que revelou aspectos compatíveis com uma OP, nomeadamente inflamação crónica, exsudado proteináceo e, focalmente, fibrose e células inflamatórias em estroma mixóide em localização intra-alveolar (Figura 2). Uma vez que não foi identificada nenhuma causa etiológica foi assumido o diagnóstico de COP. A doente iniciou corticoterapia em dose elevada (equivalente prednisolona 1mg/Kg/dia), contudo, mediante a ausência de melhoria clínica e impossibilidade de desmame de corticoterapia, foi adicionada azatioprina, quatro meses depois. Dadas as exacerbações e admissões hospitalares persistentes, o fármaco citotóxico foi interrompido na dose de 150mg/diatendo sido iniciada azitromicina, 500mg em dias alternados, como adjuvante da corticoterapia (0,75mg/kg/dia). Entretanto, constatou-se melhoria clínica e funcional e resolução dos infiltrados pulmonares observados na TCAR (Figura 3). A suspensão da corticoterapia foi possível no período de um ano, sem evidência de recidiva nos seis meses seguintes. A terapêutica com azitromicina foi mantida, com redução da frequência da sua administração (500mg, três vezes por semana). Não foram registados quaisquer efeitos laterais adversos.
Histopatologia (hematoxilina-eosina, 200x) – espessamento septal com infiltrado inflamatório linfoplasmocitário em que participam polimorfonucleares eosinófilos. Em localização intra-alveolar, observa-se um exsudado proteináceo e, focalmente, fibrose e células inflamatórias em estroma mixóide.
Dado que a remissão espontânea da COP é rara, a maioria dos doentes sintomáticos com infiltrados pulmonares necessita de tratamento estando os corticoesteróides preconizados como terapêutica de 1° linha.2,3 O achado histológico mais proeminente nesta patologia consiste numa OP com envolvimento não uniforme do parênquima pulmonar por tufos de tecido de granulação constituídos por fibroblastos e miofibroblastos englobados em tecido conjuntivo no interior dos alvéolos, e, ocasionalmente, nos bronquíolos.1–3 A fibrose intra-alveolar da OP representa um modelo único na doença inflamatória pulmonar, uma vez que não se encontra associada a fibrose progressiva irreversível.2 Os corticoesteróides constituem, portanto, o tratamento padrão, resultando em remissão completa em até 80% dos doentes, num período de semanas até três meses.3 As recidivas são no entanto frequentes (13% a 58%) estando habitualmente associadas à redução ou suspensão das corticoterapia. Não obstante, o prognóstico da doença é geralmente favorável.2,3 Os agentes imunossupressores, como a ciclofosfamida e a azatioprina, podem ser usados na COP refractária, apesar dos dados existentes sobre a aplicação destes fármacos serem escassos.3
No caso clínico descrito verificaram-se recidivas recorrentes com a corticoterapia em dose elevada e mesmo com a associação de um agente imunossupressor. Assim, e tendo por base os resultados de estudos observacionais e de séries de casos sobre a eficácia da terapêutica crónica com dose baixa de macrólidos com 14 (eritromicina, claritromicina) e 15 (azitromicina) átomos de carbono na COP, foi iniciada terapêutica com azitromicina como adjuvante da corticoterapia.4–9
Para além das acções antibacterianas, estes macrólidos parecem apresentar efeitos imunomoduladores, que poderão constituir o racional para o benefício clínico em várias doenças inflamatórias crónicas das vias aéreas.10,11
A maioria da evidência dos efeitos imunomoduladores dos macrólidos surgiu do Japão, onde foi provada a eficácia destes antibióticos no tratamento da panbronquiolite difusa (evidência 1A).10–12 Na Fibrose Quística, as recomendações mais recentes sugerem que os macrólidos devem ser reservados para os casos de infecção crónica por Pseudomonas aeruginosa, em que se verifique dificuldade no controlo dos sintomas e na estabilização da função pulmonar (evidência 2A).11,13 A evidência sobre o papel dos macrólidos noutras doenças inflamatórias das vias aéreas, como as bronquiectasias idiopáticas (evidência 2B), bronquiolite obliterante (evidência 2B), doença pulmonar obstrutiva crónica (evidência 2B), COP (evidência 2C) e asma (evidência 1B, contra) não é conclusiva.11
Os macrólidos na COP têm sido descritos como terapêutica alternativa nos doentes com sintomas ligeiros e compromisso funcional mínimo.4–6 Na maioria dos casos, os doentes iniciaram terapêutica com macrólidos por suspeita de infecção bacteriana tendo subsequentemente recebido o diagnóstico de COP. Noutros casos, esta terapêutica foi iniciada após recusa da corticoterapia ou intolerância aos seus efeitos laterais. Por outro lado, o uso dos macrólidos como terapêutica adjuvante da corticoterapia também se encontra descrito na literatura.7–9
De uma forma geral, considera-se que os macrólidos reduzem a inflamação das vias aéreas por diferentes mecanismos, incluindo a modulação das interacções hospedeiro-patogéneo, vias de sinalização, resposta às citocinas, stress oxidativo, imunidade inata e outras, como a diminuição da secreção de muco e do clearance da metilprednisolona.11,14–16 O mecanismo de acção dos macrólidos na COP não se encontra clarificado clarificado. Sabe-se que alguns doentes com COP apresentam um padrão misto no LBA com aumento dos neutrófilos, eosinófilos e linfócitos, com uma razão CD4/CD8 diminuída devido a um aumento das células T-citotóxicas. Aoki e Kao16 demonstraram que a eritromicina pode exercer efeitos anti-inflamatórios nas células T ao inibir a expressão do gene da citocina ao nível da activação da transcrição, reforçando que os efeitos benéficos dos macrólidos na COP podem ocorrer devido ao seu efeito imunossupressor nas células polimorfonucleares e seus produtos, mas também devido à sua influência nas células T.
No caso descrito, foi documentada ausência de linfocitose no LBA, o que aliada à existência de comorbilidades e diagnóstico tardio, constituíram factores de mau prognóstico. Parece, contudo, ter sido observada uma relação entre a administração da azitromicina e a melhoria clínica e funcional, com resolução radiológica e ausência de recidiva.
À semelhança dos corticoesteróides, os macrólidos foram continuados por um longo período de tempo, com desmame empírico apenas após a suspensão dos primeiros. De acordo com a maioria dos casos da literatura, não foram encontradas complicações decorrentes da terapêutica a longo-prazo com estes fármacos.
Apesar deste caso poder reforçar o papel das propriedades anti-inflamatórias dos macrólidos na COP como adjuvante da corticoterapia, são necessários mais estudos, de forma a clarificar os potenciais benefícios e efeitos laterais, nomeadamente os mais temidos, relacionados com a resistência antimicrobiana. Para além do referido, é necessária informação sobre o tipo de doentes potencialmente respondedores, dose apropriada e duração da terapêutica com os macrólidos.10,11