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Vol. 18. Issue 1.
Pages 34-38 (January - February 2012)
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Vol. 18. Issue 1.
Pages 34-38 (January - February 2012)
Case report
Open Access
Infeção por staphylococcus aureus meticilina-resistente da comunidade em Portugal
Community-associated methicillin-resistant Staphylococcus aureus infection in Portugal
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R. Nazaretha,
Corresponding author
raquelnazareth@gmail.com

Autor para correspondência.
, J. Gonçalves-Pereiraa,d, A. Tavaresc, M. Miragaiac, H. de Lencastrec,e, J. Silvestrea,d, P. Freitasa, E. Gonçalvesb, F. Martinsb, V. Mendesa, C. Tapadinhasa,d, P. Póvoaa,d
a Unidade Polivalente de Cuidados Intensivos, Hospital São Francisco Xavier, CHLO, Lisboa, Portugal
b Laboratório de Microbiologia, Hospital São Francisco Xavier, CHLO, Lisboa, Portugal
c Laboratório de Genética Molecular, Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), Oeiras, Portugal
d CEDOC, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal
e Laboratory of Microbiology, The Rockefeller University, New York, NY, USA
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Resumo

Recentemente assistiu-se à emergência de infeções na comunidade por Staphylococcus aureus meticilina-resistente (MRSA) em indivíduos sem fatores de risco. O MRSA associado à comunidade (CA-MRSA) parece ser mais virulento, causando desde infeções superficiais da pele e tecidos moles até fasceíte necrosante e, raramente, pneumonia.

O CA-MRSA foi inicialmente identificado na Austrália no início da década de 80 e, após cerca de duas décadas, surgiu nos EUA e em vários países da Europa, Ásia e América do Sul. Não existe informação disponível acerca da prevalência em Portugal.

Os autores reportam o primeiro caso de infeção por CA-MRSA em Portugal, num adulto jovem com pneumonia necrotizante grave complicada por empiema bilateral e insuficiência respiratória.

Palavras-chave:
comunidade associada
MRSA
Staphylococcus aureus
pneumonia necrosante
empiema
Abstract

Methicillin-resistant Staphylococcus aureus (MRSA) has recently emerged as a cause of community-acquired infections among individuals without risk factors. Community-associated MRSA (CA-MRSA) appears to be more virulent, causing superficial mild skin and soft tissue infections to severe necrotizing fasciitis, and in rare cases, pneumonia.

Community-associated MRSA was first reported in Australia in the early 80s, after almost two decades in the USA, and then in several countries in Europe, Asia and South America. No data exists in Portugal.

We report the first case of CA-MRSA infection in Portugal, in a young adult with severe necrotizing pneumonia, complicated with bilateral empyema and respiratory failure.

Keywords:
Community-associated
MRSA
Staphylococcus aureus
Necrotizing pneumonia
Empyema
Full Text
Introdução

O Staphylococcus aureus é responsável por diferentes tipos de infeções, a maioria infeções ligeiras da pele e tecidos moles, mas também é agente etiológico de formas graves de pneumonia e sépsis, associando-se a elevada morbilidade e mortalidade.1

O S. aureus meticilina-resistente (MRSA) foi inicialmente descrito no Reino Unido em 1961,2 sendo atualmente um dos principais agentes resistentes aos antibióticos a nível mundial causadores de infeções associadas aos cuidados de saúde.3 Em 2008, Portugal foi o único país Europeu cuja prevalência de MRSA foi superior a 50%.4

Durante a última década assistiu-se à emergência a nível mundial de infeções causadas por Community-associated MRSA (CA-MRSA) em indivíduos saudáveis, sem fatores de risco para Hospital-acquired MRSA (HA-MRSA), em particular em crianças e adultos jovens.5,6 Estas duas bactérias são distintas do ponto de vista epidemiológico, genotípico e fenotípico.7 O CA-MRSA foi inicialmente descrito na Austrália no início da década de 80.8 Cerca de uma década depois foi identificado nos EUA5 e, posteriormente, na Europa, Ásia e América do Sul.9

A sua prevalência exata é desconhecida. Têm sido descritos surtos na comunidade, em diferentes contextos.10 Foi detetada uma elevada prevalência deste agente em doentes com infeções da pele e tecidos moles, 11 nomeadamente, entre utilizadores de drogas por via endovenosa na América do Norte, 12,13 assim como no Reino Unido.14 Inicialmente, a maioria dos isolamentos de CA-MRSA isolados eram apenas resistentes aos antibióticos β-lactâmicos, o que estava associado à presença dos staphylococcal cassette chromosome mec (SCCmec) de menores dimensões (tipo IV e V). 15 No entanto, recentemente tem-se observado o aumento de resistência a outras classes de antibióticos.13 Este agente é também frequentemente portador do gene da leucocidina de Panton-Valentine (PVL), uma exotoxina que causa destruição leucocitária e necrose dos tecidos, associando-se a um aumento da gravidade das infeções, nomeadamente pneumonias, e da mortalidade.16

Atualmente, os clones predominantes de CA-MRSA nos EUA são o USA300 (ST8-IVa) e o USA400 (ST1-IV),17 estando sobretudo o primeiro, amplamente disseminado na comunidade e meio hospitalar,18 enquanto que na Europa e na Austrália, os clones mais relevantes são o clone Europeu (ST80-IVc)19 e o clone do Pacífico Sudoeste (ST30-IV),20 respetivamente.

As manifestações clínicas mais comuns de CA-MRSA são as infeções da pele e tecidos moles, embora estejam também descritas infeções invasivas graves, nomeadamente pneumonia.21 Num estudo de grandes dimensões realizado nos EUA, apenas 2% das infeções por CA-MRSA foram pneumonias.22

Os autores descrevem o primeiro caso documentado de infeção por CA-MRSA em Portugal, num doente com pneumonia grave necrotizante, complicada por empiema bilateral.

Caso clínico

Um homem de 33 anos, natural da Arménia, indigente, a residir em Portugal há sete anos e com antecedentes pessoais de Hepatite B e C crónica e toxicofilia por via endovenosa apresentou-se no Serviço de Urgência Geral (SUG) referindo dor tipo pleurítica à direita nos últimos cinco dias, associada a febre não quantificada e expetoração purulenta nas duas semanas prévias.

A telerradiografia do tórax mostrou infiltrado pulmonar em ambos os lobos inferiores e derrame pleural direito.

O HIV-check foi positivo (método ELISA de 4ª geração). Admitiu-se o diagnóstico de Pneumonia adquirida na comunidade (PAC) com derrame pleural parapneumónico e o doente teve alta medicado com coamoxiclav.

Após dois dias regressou ao SUG por agravamento dos sintomas. Estava febril, taquicárdico e taquipneico, com oximetria de pulso de 95% em ar ambiente e tinha diminuição do murmúrio vesicular a nível do hemitórax direito. A gasimetria arterial revelou pressão parcial de oxigénio no sangue arterial (PaO2) de 67.3mmHg. A avaliação laboratorial mostrou elevação da proteína C-reativa (35.4mg/dL, sendo que dois dias antes era de 15.6mg/dL) e leucocitose (14.5×109/μL; neutrófilos 94%). A pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes na expetoração foi negativa (três amostras).

O doente foi internado no Serviço de Infeciologia. Associou-se à antibioterapia já descrita claritromicina e, dado o doente estar gravemente imunodeprimido (46 células T CD4 /mcL, 10.3% e carga viral>180.000 cópias/mcL), iniciou cotrimoxazol, profilaticamente. Nos dois dias seguintes houve rápida deterioração da sua situação clínica, com instalação de falência respiratória aguda e necessidade de ventilação mecânica. Foi transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), onde foi realizada toracocentese, que revelou empiema bilateral de grande volume.

A Tomografia Computorizada Axial do tórax mostrou consolidação do pulmão direito. No exame microbiológico do líquido pleural, lavado bronco-alveolar (BAL) e hemoculturas foi isolado MRSA. Este micro-organismo era suscetível à vancomicina, com concentração inibitória mínima (CIM) in vitro de 2μg/mL (Etest®), e resistente à ciprofloxacina, eritromicina e clindamicina; era ainda suscetível à linezolida (CIM=2μg/mL), teicoplanina (CIM<0.5μg/mL), gentamicina (CIM<0.5μg/mL) e cotrimoxazol (CIM<10μg/mL). Iniciou vancomicina em perfusão contínua, ajustada para atingir níveis séricos de 20-25mg/L. Não houve qualquer melhoria após 7 dias. Realizou ecocardiograma transesofágico que excluiu endocardite infeciosa.

A repetição dos exames microbiológicos revelou persistência de MRSA no BAL e aspirado traqueal, com o mesmo padrão de suscetibilidade. Admitiu-se a hipótese de CA-MRSA pelo que iniciou linezolida endovenosa.

Após dez dias de terapêutica EV registou-se resolução clínica completa. A caracterização molecular dos isolados foi feita por pulsed-field gel electrophoresis23, spa typing24, multilocus sequence typing25 e SCCmec typing e subtyping26,27. Foi ainda testada a presença de PVL28. O agente etiológico foi identificado como CA-MRSA pertencente ao clone epidémico USA300 (ST8-IVa, t008, PVL positivo).

O desmame ventilatório foi prolongado, tendo o doente sido submetido a traqueostomia ao 21° dia. Teve alta da UCI ao56° dia e alta hospitalar ao 179° dia.

Conclusões

Esta é a primeira publicação de um caso clínico de infeção por CA-MRSA identificado em Portugal, responsável por uma infeção pouco frequente, pneumonia necrotizante com empiema.

O tipo de CA-MRSA isolado pertencia ao clone epidémico USA300, amplamente disseminado nos EUA, o qual também se encontra em ambiente hospitalar, sendo o agente mais comum de infeções da pele e tecidos moles.29 Embora este clone tenha já sido igualmente identificado na Europa,9 não estão previamente descritos casos identificados em Portugal.

A maioria dos doentes infetados por CA-MRSA têm infeção concomitante ou recente por vírus influenzae e/ou exposição recente a antibióticos,30 o que não se verificou no caso do nosso doente. Não havia igualmente outros fatores de risco de infeção por HA-MRSA, nomeadamente hospitalização recente, observação em centro de cuidados de saúde ou terapêutica antibiótica recente. Contudo, tratava-se de um indivíduo indigente, com história de abuso de drogas por via endovenosa, que poderia ter tido exposição ou infeção prévia da pele e tecidos moles por CA-MRSA neste contexto. Nem todos os doentes é possível identificar fatores de risco, como aconteceu no caso presente.

A pneumonia necrotizante associada a estirpes produtoras de PVL apresenta elevada mortalidade, que pode atingir 75%.16 Numa série de 24 doentes com pneumonia a CA-MRSA, todos os doentes infetados por estirpes produtoras de PVL faleceram, em comparação com apenas 47% dos infetados por estirpes não produtoras de PVL (odds ratio de 1.56).31 Num estudo de maior dimensão, em que foram estudados 50 doentes com pneumonia causada por CA-MRSA produtor de PVL, a mortalidade global foi de 56%.32 No nosso doente, as estirpes isoladas de CA-MRSA apresentavam elevadas CIM in vitro para a vancomicina e resistência a várias outras classes de antibióticos. A deterioração clínica inicialmente registada pode ser explicada pelos elevados níveis de PVL, o que pode ocorrer em situações de terapêutica antibiótica com concentrações subinibitórias de oxacilina ou vancomicina.33 Contrariamente, mesmo concentrações subinibitórias de clindamicina ou linezolida podem levar à redução dos níveis de PVL,33 provavelmente em consequência da inibição da síntese proteica das bactérias, o que pode ajudar a explicar o seu sucesso terapêutico neste doente. Finalmente, alguns autores descreveram doentes com falência terapêutica à vancomicina, os quais melhoraram com antibioterapia em associação com linezolida e rifampicina.34 Fibalmente, existem poucas guidelines disponíveis e nenhum estudo clínico randomizado que tenha comparado estas diferentes terapêuticas antibióticas nesta situação clínica, infeções a CA-MRSA.

O isolamento de uma estirpe USA300 multirresistente num indivíduo toxicodependente é particularmente preocupante, dado o elevado risco de transmissão horizontal nesta população específica,35 criando alguma apreensão quanto à possibilidade de aumento da prevalência deste agente em infeções adquiridas na comunidade em Portugal.

Este caso clínico destaca a importância do CA-MRSA como micro-organismo potencial na PAC grave e a necessidade da sua vigilância epidemiológica ativa.

As infeções por CA-MRSA não se traduzem em sintomas ou sinais específicos. Contudo, é essencial elevada suspeita clínica entre os médicos e os laboratórios de microbiologia nas situações de isolamento de estirpes de MRSA resistentes aos β-lactâmicos em doentes com infeções da pele e tecidos moles ou pneumonia, na ausência de fatores de risco para HA-MRSA e com componente tóxico e necrotizante acentuados. Esforços com o objetivo de interromper a disseminação deste agente são viáveis, e, em último caso, podem ser bem sucedidos.36

Consentimento

O doente forneceu consentimento informado e por escrito para a publicação deste caso clínico. Uma cópia do mesmo está disponível para revisão pelo Editor-chefe da Revista Portuguesa de Pneumologia.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Contribuição dos autores

RN escreveu o manuscrito. PF contribuiu de forma substancial pela aquisição de informação. JGP, JS, VM, CT e PP participaram na elaboração do manuscrito, interpretação dos dados e reviram o mesmo para otimização do seu conteúdo teórico. EG e FM realizaram o estudo microbiológico e também reviram o manuscrito. AT, MM e MHL executaram os estudos genéticos moleculares e fizeram contribuições substanciais para a revisão do manuscrito. JPG e PP elaboraram a versão final do mesmo para publicação. Todos os autores leram e aprovaram a sua versão final.

Agradecimentos

A tipagem molecular foi financiada pelos projetos CONCORD (FP7-HEALTH2007-B 222718) da European Commission and Project “Community-associated methicillin-resistant Staphylococcus aureus (CA-MRSA) in Portugal: a pilot study focusing on an emerging public health concern” e da Fundação

Calouste Gulbenkian, Portugal. A. Tavares foi financiada pela bolsa SFRH/BD/44220/2008da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Lisboa, Portugal.

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