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Vol. 9. Issue 6.
Pages 523-527 (November - December 2003)
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Vol. 9. Issue 6.
Pages 523-527 (November - December 2003)
AS NOSSAS LEITURAS
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O treino ao exercício melhora a dispneia de esforço em doentes com DPOC. Papel dos factores mecânicos
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F. Gigliotti, C. Coli, R. Bianchi, I. Romagnoli, B. Lanini, B. Binazzi, G. Scano
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RESUMO

A origem da dispneia de esforço em doentes com DPOC é multifactorial. Alguns dos factores apontados são: o aumento da drive ventilatória1, a redução da capacidade dos músculos respiratórios 2 ou as anomalias do coupling neuromuscular da bomba ventilatória3, ambos associados a hiperinsuflação pulmonar dinâmica4.

O treino ao exercício em doentes com DPOC tem demonstrado melhorar a capacidade para o exercício e a dispneia de esforço, sem contudo se verificarem alterações significativas da mecânica ventilatória, nomeadamente da capacidade inspiratória ou do volume pulmonar no final da inspiração, ou seja, a base mecânica para esta melhoria ainda não foi clarificada.

O presente estudo pretende estudar os efeitos do treino ao exercício na drive ventilatória e no coupling neuromuscular ventilatório e a sua possível associação com a dispneia de esforço, com o pressuposto de que uma avaliação precisa destes efeitos é essencial no tratamento da dispneia em doentes com DPOC.

Os autores avaliaram os efeitos de um programa de reabilitação de 6 semanas com treino ao exercício, em 20 doentes com DPOC moderada a grave. O programa incluiu a componente educativa, exercícios respiratórios e treino ao exercício. O treino ao exercício foi realizado em cicloergómetro, marcha e exercício dos membros superiores.

Antes e após o programa de treino foi realizada a avaliação funcional respiratória em repouso e no exercício com teste incremental progressivo em cicloergómetro. Foi avaliado no esforço máximo, o consumo de oxigénio (VO2), a produção de dióxido de carbono (VCO2), a ventilação minuto (VE), as componentes de volume e de tempo do ciclo respiratório e, em seis doentes, foi avaliada a variação da pressão esofágica (Pessw) quer nos valores actuais quer como percentagem da pressão esofágica máxima medida numa manobra de sniff (Pessn), ao longo do exercício.

Como resultados obtiveram um aumento significativo da capacidade para o exercício em resposta ao treino: aumento da carga máxima suportada (WR), do VO2, do VCO2, da VE, do volume corrente e da frequência cardíaca, enquanto a dispneia de esforço e a sensação de esforço dispendido pelos membros inferiores, avaliadas pela escala de Borg, não se modificaram significativamente. A relação da dispneia de esforço com o consumo de oxigénio e com a produção de dióxido de carbono (dispneia/VO2 e dispneia/VCO2) diminuiu, enquanto os equivalentes ventilatórios (VE/VO2 e VE/VCO2) não se alteraram. A dispneia de esforço e o esforço dos membros inferiores, quando relacionados com a ventilação minuto, diminuíram significativamente após o treino.

Para uma carga padronizada, a ventilação minuto, o VCO2, a dispneia de esforço e o esforço dos membros inferiores diminuíram, enquanto a capacidade inspiratória (IC) aumentou.

A redução da ventilação deveu-se em primeiro lugar à redução da frequência respiratória (RR) e ao aumento do tempo inspiratório (TI) e do tempo expiratório (TE). O volume corrente aumentou ligeiramente, enquanto a drive ventilatória (VT/ /TI) e o ciclo de trabalho ventilatório (TI /TTOT) se mantiveram inalterados.

A redução da variação da pressão esofágica (Pessw) e o aumento do volume corrente (VT) associaram-se a uma menor dispneia de esforço após o programa de treino.

Para valores padronizados de VE, VT, RR e IC, a variação de pressão esofágica – Pessw e Pessw(%Pessn)/VT – manteve-se inalterada, enquanto a dispneia de esforço e o esforço dos membros inferiores se reduziram com o treino ao exercício.

Os autores concluem que os mecanismos fisiológicos envolvidos na redução da dispneia após o treino ao exercício são complexos, e os factores que parecem ter um papel mais importante são: os cardiovasculares, a redução das exigências ventilatórias, a redução da impedância à acção dos músculos ventilatórios e, ainda, factores não fisiológicos.

Quanto aos factores cardiovasculares, os autores salientam o facto de o pulso de oxigénio (quantidade de oxigénio consumida por cada batimento cardíaco) ser, segundo um trabalho de Montes de Oca et al5, o melhor factor preditivo do consumo máximo de oxigénio em doentes com DPOC. Contudo, no presente trabalho, os autores não observaram um aumento do pulso de oxigénio com o treino, tornando o papel dos factores cardiovasculares menos relevante.

No que diz respeito à redução das exigências ventilatórias, esta verifica-se neste trabalho, com a redução da ventilação-minuto e da produção de dióxido de carbono para uma mesma carga suportada. Estas alterações são consequência de um aumento da capacidade aeróbica com o treino, o que leva a uma menor produção de lactato e menor necessidade ventilatória para eliminar as valências ácidas.

A redução da impedância à acção dos músculos ventilatórios deve-se a uma redução da insuflação pulmonar (menor volume pulmonar no final da expiração). A “desinsuflação” que é proporcionada pela redução da frequência respiratória com prolongamento do tempo expiratório e com um maior volume de ar expirado permite, por sua vez, reduzir a carga elástica dos músculos respiratórios. Para a mesma carga suportada pelos doentes, o treino ao exercício reduz a dispneia ao diminuir o esforço inspiratório, o volume pulmonar no final da expiração e a frequência respiratória, melhorando assim o coupling neuro-ventilatório.

Outros factores potencialmente implicados na redução da dispneia com o treino ao exercício são os factores não fisiológicos, de que é exemplo a dessenssibilização ou a tolerância à dispneia, permitindo aos doentes suportarem cargas mais elevadas e, possivelmente, o treino respiratório, permitindo uma melhoria do padrão ventilatório com redução da frequência respiratória.

COMENTÁRIO

Os autores deste trabalho fazem uma análise dos efeitos fisiológicos e não fisiológicos do treino ao exercício. Alguns desses efeitos são o aumento da capacidade aeróbica (consumo máximo de oxigénio), da carga suportada, enquanto para uma mesma carga suportada a dispneia de esforço e a sensação de esforço dispendido pelos membros inferiores se reduziram significativamente após o programa de treino. Estes efeitos benéficos do exercício colocam-no como a chave de qualquer programa de reabilitação em doentes com DPOC. Segundo uma meta-análise realizada por Lacasse et al, os programas de reabilitação que incluem o treino ao exercício têm demonstrado uma melhoria da capacidade para o exercício, o alívio da dispneia e a melhoria da capacidade para lidar com a doença6.

Um dos factores analisados pelos autores é a relação da melhoria do coupling neuro-ventilatório com a melhoria da dispneia obtida com o treino ao exercício. O conceito de coupling neuroventilatório tem sido enfatizado nos últimos anos. Ele reflecte a relação entre a força dos músculos inspiratórios (expressa pela razão entre a pressão esofágica inspiratória – Pessw – e a pressão inspiratória máxima – PImax) e a variação instantânea do volume pulmonar (razão entre o volume corrente – VT – e a capacidade pulmonar total – TLC):

A hiperinsuflação pulmonar, frequentemente presente nos doentes com DPOC, tem sido apontada como um factor que determina dissociação neuroventilatória. Se, por um lado, impõe aos músculos respiratórios uma maior carga elástica, obrigando a um maior esforço para que se possa manter um nível ventilatório adequado, por outro, a hiperinsuflação reduz a contractilidade máxima dos músculos que passam a operar numa relação comprimento/tensão mais desfavorável.

Esta sensação de maior esforço, que não se traduz em variações proporcionais de débitos e volumes, constitui a dissociação neuromecânica ou neuroventilatória e tem como consequência a dispneia7.

No trabalho que comentamos, para uma mesma carga suportada, o exercício reduziu a dispneia ao diminuir o esforço inspiratório, a hiperinsuflação pulmonar e a frequência respiratória, melhorando assim o coupling neuroventilatório.

Outras formas terapêuticas, como a administração de broncodilatadores, também podem reduzir a dispneia de esforço nos doentes com DPOC, o que pode ser atribuído igualmente à redução da hiperinsuflação pulmonar e à melhoria do coupling neuroventilatório, já que nestes doentes não existe habitualmente um aumento importante dos débitos expiratórios8. Na maioria dos casos, o aumento do FEV1 com a broncodilatação não ultrapassa os 12%.

Para além da coupling neuroventilatória, os autores pretenderam neste estudo avaliar os efeitos do treino ao exercício na drive ventilatória central. Durante muitos anos, o aparecimento da hipercapnia nos doentes com DPOC foi interpretado como consequência de uma redução do estímulo ventilatório que parte dos centros respiratórios (drive) para os músculos respiratórios. Sabe-se hoje que, quando comparados com indivíduos saudáveis, os doentes com DPOC apresentam antes uma drive ventilatória aumentada9. Esta pode ser avaliada pela pressão de oclusão (P0.1), pela variação da ventilação (VE) ou pelo débito inspiratório médio (VT/TI). O aumento da drive pode ser consequência do estímulo proveniente dos aferentes mecânicos pulmonares ou da parede torácica e dos quimiorreceptores estimulados pela hipóxia crónica10.

Embora outros autores1 apontem a drive como um dos factores que pode estar na génese da dispneia, neste trabalho os autores verificaram que a drive ventilatória, avaliada pelo VT/TI, não se alterou significativamente com o treino ao exercício, não parecendo ter influência na melhoria da dispneia de esforço referida por estes doentes.

Salienta-se a importância de estudos como este, por proporcionarem uma melhor compreensão dos mecanismos de acção de algumas modalidades terapêuticas como o treino ao exercício na melhoria da dispneia de esforço em doentes com DPOC.

Palavras-chave:
treino ao exercício
DPOC
dispneia
coupling neuroventilatório
drive ventilatória
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