O reconhecimento, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1950, do risco que constituía a tuberculose bovina para a saúde pública, levou à implementação por parte dos governos de medidas de controlo que compreendiam entre outras, a pasteurização do leite, a inspecção sanitária rigorosa das carcaças nos matadouros, o abate de bovinos com testes tuberculínicos positivos e a restrição da circulação animal a partir das explorações infectadas. Estas medidas levaram ao controlo ou mesmo à erradicação da tuberculose bovina. A tuberculose devida ao Mycobacterium bovis (M. bovis) é, portanto, uma zoonose ocupacional, sendo considerados como grupos de risco as comunidades rurais, os criadores e tratadores de gado, trabalhadores da indústria da carne, veterinários e funcionários dos zoológicos1,2.
A infecção humana por M. bovis é, actualmente, considerada rara nos países desenvolvidos, sendo responsável por cerca de 1% de todos os casos de tuberculose humana3–7.
A identificação laboratorial do complexo Mycobacterium tuberculosis (MTC) possibilita o diagnóstico clínico de Tuberculose. Pertencem a este complexo, entre outras, as espécies M. tuberculosis e M. bovis. Apesar de genotipicamente muito semelhantes, o M. bovis é menos transmissível entre humanos e é intrinsecamente resistente à pirazinamida4,8,9.
Baseando-se nesta particularidade, a Direcção Geral de Saúde (DGS) publicou recentemente a Orientação n° 13/2010, em que recomenda a realização de testes de sensibilidade aos antibióticos (TSA) a todos os antibacilares de primeira linha (discriminando isoniazida, rifampicina, estreptomicina, etambutol e pirazinamida) em todos os isolados do complexo M. tuberculosis e posterior diferenciação de subespécie sempre que se encontra um isolado com resistência à pirazinamida10. É de salientar que a Circular Normativa n° 9/DT da DGS, em vigor desde o ano 2000, sobre a realização de TSA aos antibacilares de primeira linha, não especifica os fármacos11.
Este antibiótico, no que concerne ao diagnóstico laboratorial, não se encontra no lote de antibacilares a serem primeiramente testados, apesar de geralmente ser usado nos esquemas terapêuticos de primeira linha12. A execução deste teste requer alterações na metodologia laboratorial em relação aos restantes, uma vez que este fármaco é activo apenas em ambiente ácido. Este teste é realizado, em diversos laboratórios, sempre que ocorre resistência a pelo menos um dos restantes antibacilares de primeira linha.
As mais recentes recomendações internacionais, tanto da OMS como do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), desaconselham a inclusão deste fármaco no lote dos antibacilares a serem testados rotineiramente. Ambas as organizações apontam para resultados pouco reprodutíveis e, portanto, pouco fiáveis. A OMS destaca o seu elevado custo12,13.
Tendo como base o preço de venda à Administração Regional de Saúde do Norte dos reagentes em kit necessários para a execução de TSA, através de um sistema de culturas em meio líquido (BACTEC MGIT 960, Becton and Dickinson, Maryland, USA), foram calculados os custos unitários destas análises. O teste de sensibilidade à pirazinamida custa cerca de 45€, quase o triplo do valor de cada um dos restantes TSA de primeira linha. Para uma avaliação do custo total de um teste seria necessário adicionar o acréscimo do tempo dispendido, bem como custos com outros reagentes e material de laboratório diverso, por exemplo: meios de suspensão, álcool etílico, água bidestilada, pontas para micropipetas, seringas, agulhas, etc.
Tendo em conta a realização, devido a esta Orientação da DGS, a nível nacional, de milhares de testes de sensibilidade à pirazinamida por ano, estará devidamente justificado, o gasto acrescido de centenas de milhares de euros?
Para uma resposta negativa, além das recomendações internacionais, também contribuem estudos que referem que o rastreio do M. bovis, tendo como base a monorresistência à pirazinamida, apresenta um baixo valor preditivo positivo, ou que revelam a existência de estirpes de M. bovis com outros padrões de resistência antibacilar14,15.
A Orientação n° 13/2010da DGS baseia-se, entre outras justificações, no aumento significativo da tuberculose bovina, no entanto, salienta igualmente que a infecção por M. bovis em seres humanos é, hoje em dia, praticamente restrita aos grupos de risco. Assim sendo, seria de grande interesse a aposta em novas estratégias de prevenção, tal como uma melhor comunicação entre os organismos que trabalham em saúde veterinária e em saúde humana, com o intuito da referenciação de utentes mais susceptíveis de contrair a doença. O teste de sensibilidade à pirazinamida executado em isolados provenientes de amostras destes utentes seria assim potencializado e melhorada a sua relação custo/benefício.
Conflito de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.