A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é a principal causa de morte devido a doença infecciosa no mundo ocidental, sendo responsável por um número superior a 20 hospitalizações/ano por mil habitantes.
As guidelines internacionais preconizam a antibioterapia combinada, como seja a associação de um β-lactâmico e de um macrólido no tratamento inaugural da PAC grave. Tal facto implica a utilização de cuidados de saúde oneroso e o consumo elevado de antibióticos, contribuindo, assim, para o aparecimento de resistências bacterianas.
Nos EUA, os custos do tratamento da PAC excedem os doze biliões de dólares e, em muitos países desenvolvidos, observa-se um aumento da resistência aos macrólidos.
Uma vez determinada a etiologia da PAC, a antibioterapia direccionada para o agente patogénico em causa pode ser iniciada. No entanto, até agora, não foi encontrada um biomarcador suficientemente sensível e específico para orientar a terapêutica inaugural, devendo ser criados protocolos com essa finalidade.
Os autores do presente trabalho estudaram a relevância da determinação consecutiva da proteína C reactiva (PCR) no follow-up de doentes com PAC, avaliando o valor preditivo da normalização tardia dos níveis séricos da PCR relativamente ao risco de administração de antibioterapia inapropriada e a um prognóstico desfavorável.
Trata-se de um estudo prospectivo multicêntrico controlado conduzido em cinco hospitais universitários holandeses, entre Junho de 2000 e Julho de 2003, sobre a eficácia clínica da instituição empírica de terapêutica antibiótica intravenosa ou oral na PAC.
A PAC foi definida pela presença de, pelo menos, dois sintomas de infecção respiratória baixa aguda antes da admissão hospitalar e de um infiltrado pulmonar “de novo” ou em progressão na radiografia do tórax. A classificação como grave está relacionada com um score no índice de gravidade PSI – Pneumonia severity index >90 ou de acordo com a definição da American Thoracic Society.
Foram excluídos indivíduos com pneumonia intersticial, fibrose quística, colonização a gram negativos devido a lesão estrutural do aparelho respiratório, esperança de vida < 1mês devido a patologia crónica, neutropenia grave ou infecção VIH com CD4 <200cel/mm3, outra infecção que não a pneumonia em causa, necessitando de antibioterapia e doentes admitidos directamente numa unidade de cuidados intensivos.
A gravidade da pneumonia foi determinanda pelo score PSI (Pneumonia severity index) e APACHE II (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation). Foram efectuadas análises laboratoriais, exames bacteriológicos e radiografia do tórax antes da instituição da antibioterapia empírica. Os doentes foram acompanhados durante 28 dias e os níveis séricos da PCR avaliados na admissão e nos dias 3 e 7 do internamento. O nível da PCR foi obtido através de imunoensaio monoclonal, sendo o valor normal de referência <10mg/l.
Os exames bacteriológicos da expectoração e hemoculturas foram efectuados de acordo com os procedimentos usuais.
O tratamento antibiótico adequado foi definido pela utilização de, pelo menos, um antibiótico apropriado para o agente patogénico em questão, determinando pelo antibiograma.
A falência terapêutica precoce foi definida pela instabilidade clínica (F. resp. >25c/min; Sat O2 <90% por oximetria de pulso; PaO2 <55mmHg), instabilidade hemodinâmica, alteração súbita do estado de consciência, admissão numa unidade de cuidados intensivos ou morte nos 3 primeiros dias após a admissão. A falência tardia foi decretada pela deterioração clínica ou complicações, incluindo a morte, necessidade de ventilação mecânica, reintrodução de antibioterapia IV após instituição de antibióticos orais, readmissão por infecção pulmonar após alta hospitalar ou pirexia após melhoria inicial no período de follow-up.
O atraso na normalização da PCR foi definido por um declínio < 60% nos níveis da PCR no dia 3 e < 90% no dia 7.
Foram englobados 289 doentes com uma idade média de 69,7±13,8 anos. Os scores dos índices PSI e APACHE II foram respectivamente 112,4±25,7 e 13,8±4,6. Outras patologias estavam presentes em 180 indivíduos: I cardíaca congestiva, neoplasia, doença cerebrovascular, I renal crónica, doença hepática e doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC). O nível sérico médio da PCR na admissão foi de 174mg/l, tendo sido ligeiramente inferior nos doentes submetidos a antibioterapia em ambulatório (135mg/l) e nos indivíduos sob corticoterapia inalatória (146mg/l). Não se verificou associação entre os níveis da PCR e as características demográficas ou a presença de comorbilidade. Cerca de 232 (80,3%) doentes receberam um β-lactâmico em monoterapia como terapêutica empírica inicial e 47 (16,3%) terapêutica combinada de um β-lactâmico com um macrólido.
Em 122 (89,1%) dos 137 doentes com etiologia confirmada, a antibioterapia empírica foi considerada adequada. Um total de 20 indivíduos (6,9%) morreram durante o período de follow-up e 9 foram transferidos para uma unidade de cuidados intensivos.
O diagnóstico etiológico foi estabelecido em 137 (47,4%) doentes, sendo o S. pneumoniae o mais frequente (19% dos casos). Os valores da PCR mais elevados foram observados nos doentes infectados por S. pneumoniae (278mg/l) seguido pela L. pneumophila (247mg/l), H. influenzae (214mg/l), S. aureus (187mg/l), Enterobacteriaciae (129mg/l), C. pneumoniae (115mg/l), M. catarihalis (64mg/l) e M. pneumoniae (49mg/l). Doentes infectados com agentes patogénicos múltiplos tinham um valor médio da PCR, na admissão, de 213mg/l. Os doentes com etiologia desconhecida tinham uma concentração média, na admissão, inferior aos indivíduos com confirmação bacteriológica (140mg/l versus 209mg/l).
A determinação da PCR foi efectuada na admissão em todos os indivíduos, em 264 (91,3%) no dia 3 e em 210 no dia 7 do internamento. O declínio médio da PCR foi de 38,4% até ao dia 3 e de 80,9% na primeira semana de follow-up. Os doentes com tratamento antibiótico inapropriado tinham uma normalização mais lenta dos níveis da PCR. O declínio <60% no dia 3 e <90% no dia 7 estava associado a um maior risco de terapêutica empírica inadequada. Os doentes com atraso na normalização dos níveis de PCR na primeira semana apresentavam uma taxa de mortalidade superior, mas tal facto não foi estatisticamente significativo.
Doentes com atraso na normalização da PCR no dia 3 tinham um ligeiro aumento do risco de apresentar falência terapêutica precoce ou tardia, mas tal facto não foi estatisticamente significativo.
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