O diagnóstico, tratamento e prevenção da estenose traqueal pós-entubação (ETPE) continua a ser um desafio. A recorrência é comum devido à formação excessiva de tecido de granulação e a um processo insidioso de cicatrização constritiva. A aplicação tópica de mitomicina-C (MMC) tem mostrado bons resultados como tratamento adjuvante na manipulação endoscópica das estenoses traqueais. Os autores tiveram como objetivo avaliar os resultados da aplicação tópica de MMC, após dilatação broncoscópica, como tratamento adjuvante da ETPE.
MétodosDoentes com ETPE selecionados retrospetivamente, nos quais foi efetuada dilatação com broncoscópio rígido (BR) seguida da aplicação tópica de MMC como adjuvante no tratamento endoscópico. A MMC na concentração de 0,4mg/ml foi aplicada com um estilete recoberto com algodão, em redor da lesão estenótica e tecido de granulação, durante 3 minutos.
ResultadosEm 11 doentes com ETPE, com mediana de estenose inicial de 75% do diâmetro do lúmen traqueal, foi aplicado o tratamento sucessivo com BR/MMC. A média de sessões com aplicação de MMC efetuada por doente foi de 3,5. Observou-se uma boa resposta e redução duradoura na formação de tecido de granulação em 55% dos casos, moderada em 18% e recorrente em 27%. A melhoria média no diâmetro da estenose foi de 34%.
ConclusõesA aplicação tópica de MMC na concentração de 0,4mg/ml parece estar associada a bons resultados quando utilizada como adjuvante no tratamento das ETPE. Esses resultados devem-se à diminuição na formação de tecido de granulação e melhoria sustentada no diâmetro do lúmen traqueal.
Post-intubation tracheal stenosis (PITS) continues to be challenging in terms of diagnosis, management and prevention. Recurrence is common because of excessive granulation tissue formation and an insidious process of scar contracture. Topical application of mitomycin-C (MMC) as an adjuvant treatment for endoscopic management of stenosis has shown good results. The authors aimed to evaluate the results of MMC topical application following bronchoscopic dilatation as an adjuvant in PITS treatment.
MethodsRetrospectively selected patients with PITS who had had rigid bronchoscopy (RB) dilatation followed by MMC application as adjuvant to endoscopic treatment. MMC in a concentration of 0.4mg/ml was applied with a cotton stiletto around the stenotic lesion and granulation tissue for 3minutes.
ResultsEleven patients with PITS, with a median initial tracheal stenosis of 75% of the lumen, underwent RB/MMC treatment. Mean MMC sessions performed/patient was 3.5, with good response and prolonged decrease in granulation tissue formation in 55% of cases, moderate in 18% and relapse in 27%. Mean stenosis improvement was 34%.
ConclusionsTopical MMC application at 0.4mg/ml concentration seems to be associated with good results as adjuvant in PITS management with decrease in granulation tissue and sustained improvement in lumen diameter.
A estenose traqueal pós-entubação (ETPE) é a causa mais comum de estenose benigna das vias aéreas superiores, ocorrendo em 1-4% dos doentes ventilados1. O tratamento envolve frequentemente a escolha entre procedimentos endoscópicos ou cirurgia reconstrutiva1. A resseção cirúrgica com posterior anastomose é considerada o tratamento definitivo. A intervenção broncoscópica é uma importante alternativa terapêutica, com algumas vantagens1–4. No entanto, em ambos os procedimentos, a recorrência é comum (40-70%) num período de meses a anos, devido a uma formação excessiva de tecido de granulação e a um processo insidioso de cicatrização constritiva1,5,6. A mitomicina-C (MMC) é um agente antibiótico e antineoplásico que inibe a proliferação dos fibroblastos, modulando o processo de cicatrização1,2,5. A sua aplicação tópica como tratamento adjuvante na manipulação endoscópica das estenoses traqueais tem mostrado bons resultados2,5–8, sugerindo que a modulação do processo de cicatrização pode ter um papel importante na melhoria da taxa de sucesso e redução da necessidade de procedimentos frequentes nas ETPE5,9. O objetivo deste estudo foi avaliar os resultados da aplicação tópica de MMC após dilatação broncoscópica como procedimento adjuvante no tratamento da ETPE.
MétodosEfetuada uma seleção retrospetiva dos doentes com ETPE observados nos últimos 6 anos (2006-2012) na Unidade de Broncologia do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar de Gaia, Portugal, nos quais foi realizada dilatação com broncoscópio rígido (BR) seguida da aplicação de MMC como adjuvante ao tratamento endoscópico das ETPE. A dilatação com BR de 8,5-14mm foi efetuada em todos os doentes, enquanto a dilatação por balão foi aplicada previamente à dilatação por BR em 2 casos de estenose severa para evitar um traumatismo excessivo. Na presença de tecido de granulação com anel fibroso associado foram efetuados cortes radiais com Nd-YAG laser ou eletrocautério a baixas doses, de acordo com o grau de estenose, antes do tratamento combinado com dilatação com BR e aplicação de MMC (tratamento BR/MMC). A coagulação com argon plasma (CAP) e crioterapia foram também utilizadas, principalmente nos casos com exuberante tecido de granulação e pelo benefício inerente às suas propriedades hemostáticas. Todos os procedimentos descritos foram aplicados previamente ao uso do tratamento com BR/MMC em cada doente. Foram também efetuados posteriormente em casos selecionados, de acordo com a recorrência de granulação e características das diferentes estenoses. Em cada sessão o tratamento com BR/MMC foi aplicado como procedimento final. A MMC foi preparada pela farmácia do hospital a uma concentração de 0,4mg/ml. Foi temporariamente armazenada numa seringa recoberta com papel de prata para proteção da exposição à luz e transportada num contentor refrigerado a 5°C, de acordo com as recomendações do produto. A MMC foi manuseada cuidadosamente e aplicada, através de um estilete metálico recoberto com algodão impregnado da solução, sobre a lesão estenótica e tecido de granulação durante 3 minutos. A região foi posteriormente limpa com um estilete com algodão embebido em NaCl 0,9%. O excedente do produto foi enviado de volta à farmácia para manipulação adequada. Todos os doentes foram clínica e endoscopicamente reavaliados um mês após a primeira sessão de MMC e em seguida mensalmente durante 6 meses ou até estabilização. O número de tratamentos com BR/MMC foi efetuado, em cada caso, de acordo com a evolução. Para além dos procedimentos interventivos efetuados e dos resultados obtidos com o tratamento adjuvante com BR/MMC, os doentes foram avaliados relativamente ao tipo, localização, extensão e diâmetro da estenose (% do lúmen). A broncoscopia rígida foi efetuada com o consentimento informado de cada doente e assinado pelo mesmo. O tratamento com BR/MMC foi aprovado pela comissão de ética do hospital.
ResultadosDurante o período em estudo a MMC foi aplicada como tratamento adjuvante em 11 doentes com ETPE; 6 mulheres e 5 homens, com idade média de 58,4 anos (±12,7; mínimo 39, máximo 72). Todos os doentes tinham diferentes graus de estridor respiratório no exame físico inicial. O diâmetro inicial da estenose variou de 25-90% do lúmen traqueal, com um diâmetro mediano da estenose de 75%. As estenoses localizavam-se maioritariamente 1-3cm abaixo das cordas vocais, com envolvimento de 1-3 anéis traqueais. Uma conformação em anel fibroso (estenose complexa) foi observada em 9 casos e os restantes 2 apresentavam meio anel fibroso (estenose simples) (tabela 1). A dilatação por BR e aplicação tópica de MMC foi realizada como previamente descrito em todos os doentes. Um corticoide sistémico (prednisolona na dose de 0,5mg/kg/dia) foi prescrito por 7 dias após o procedimento a todos os doentes para controle da inflamação. De acordo com as características da estenose – presença de tecido de granulação e/ou fibrose – foi utilizado o laser Nd-YAG em 7 doentes, eletrocautério em 4, CAP em 3 e crioterapia em 2 casos selecionados (tabela 1). Em 2 doentes foi colocada uma prótese traqueal de Dumon 16mm/4cm (Novatech, SA; La Ciotat, França) (tabela 1); um por destruição da cartilagem com traqueomalacia e outro por recorrência do tecido de granulação em relação com a necessidade de traqueostomia permanente. O número médio de sessões de MMC/doente foi de 3,5 (mínimo 1; máximo 10), com boa resposta e redução duradoura na formação de tecido de granulação em 6 casos (55%), moderada em 2 (18%) e recorrente em 3 (27%). Tal como demonstrado na figura 1, assistimos a uma redução no diâmetro da estenose em todos os doentes, com notória melhoria na formação de tecido de granulação após o tratamento com BR/MMC (tabela 1). Em 4 casos foi observada uma redução de 50% no diâmetro da estenose (tabela 1; fig. 2), em 2 casos de 40% e 3 com uma melhoria de 25-30%. A mediana do diâmetro final da traqueia foi de 75% do lúmen, com uma melhoria global média no diâmetro da estenose de 34%. O tempo médio decorrido desde a melhoria clínica e redução no tecido de granulação foi de 27,5 meses.
Descrição individual do tratamento das ETPE
N.° | Tipo de estenose | Eletrocautério | Laser | CAP | Crioterapia | Prótese traqueal | Sessões MMC (N.°) | Tempo de seguimento (m) | Tempo desde o primeiro tx BR/MMC (m) | Tempo desde o último tx BR/MMCb (m) | Tempo desde melhoria globala (m) | % melhoria estenose |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | C | - | 5 | - | 3 | - | 8 | 68 | 66 | 4 | 61 | 50 |
2 | C | - | 3 | - | - | - | 1 | 57 | 56 | 56 | 53 | 30c |
3 | C | - | 2 | - | - | - | 1 | 48 | 47 | 47 | 37 | 40c |
4 | S | - | 7 | 3 | 1 | 1 | 8 | 50 | 48 | 32 | 43 | 20 |
5d | C | - | 3 | - | - | 1 | 3 | 20d | 19 | 16 | 15 | 40 |
6 | C | - | 2 | - | - | - | 1 | 25 | 24 | 24 | 21 | 10 |
7 | C | 1 | 1 | - | - | - | 1 | 22 | 21 | 21 | 18 | 5 |
8 | C | 1 | - | - | - | - | 2 | 11 | 10 | 6 | 8 | 50c |
9 | S | 1 | - | - | - | - | 1 | 10 | 8 | 8 | 7 | 50c |
10 | C | 1 | - | 1 | - | - | 10 | 18 | 17 | 5 | 12 | 25c |
11 | C | - | - | 2 | - | - | 2 | 2 | 1,5 | 0,5 | 0,5 | 50 |
BR: broncoscopia rígida; C: complexa; CAP: coagulação por argon plasma; MMC: mitomicina-C; m: meses; N.°: número de doentes; S: simplea; Tx: tratmento; %: percentagem.
Uma melhoria clínica e redução na formação de tecido de granulação foi observada na maioria dos doentes 1-6 meses após a primeira aplicação de MMC. O tipo e características das estenoses determinaram a resposta e necessidade de procedimentos adicionais. Alguma recorrência de tecido de granulação foi observada a certa altura em quase todos os doentes, mas na generalidade tornaram-se mais responsivos à dilatação simples e com uma resposta mais duradoura após a aplicação de MMC.
Nenhuma opção terapêutica garante uma eficácia de 100% nas ETPE e todos os procedimentos podem causar lesão adicional favorecendo a recidiva através da formação de tecido de granulação e fibrose1,4,7,9. A recorrência é relativamente frequente e a principal complicação a longo prazo1,4,7. Nos últimos anos assistimos a uma procura crescente de procedimentos alternativos tendo em vista a modulação do processo de cicatrização3,7. A MMC é um agente antiproliferativo capaz de diminuir a proliferação dos fibroblastos e recorrência do tecido de granulação1,4,5. A aplicação repetida de MMC tem mostrado melhores resultados do que a sua aplicação única1,2,10. As doses utilizadas na estenose traqueal variam entre concentrações de 0,4mg/ml e 2mg/ml3,7,10, aplicadas durante 1-5 minutos4,9,10. Na maioria dos estudos foi demonstrada a eficácia e segurança da aplicação de MMC na concentração de 0,4mg/ml no tratamento das ETPE1,3,4,7,10. A evidência sugere que os efeitos da sua aplicação tópica são apenas localizados, com um impacto mínimo nos tecidos adjacentes9. A dose de 1mg/ml tem sido associada a bons resultados em análises mais recentes1,3 e a agressão pouco traumática através da dilatação por RB ou laser antes da aplicação de MMC parece também trazer benefício1,4,9.
Alguns estudos apontam para uma melhor resposta das estenoses recentes à MMC comparativamente às estenoses fibróticas mais maduras3,10. Na presença de fibrose uma combinação de procedimentos é geralmente necessária1. A nossa série sugere que a dilatação por BR seguida da aplicação de MMC (0,4mg/ml) durante 3 minutos pode ser benéfica na modulação do processo de cicatrização, diminuindo e atrasando a recorrência do tecido de granulação. Tal como verificado em outros estudos1,5,6,9,10, foi observada uma melhoria clínica e uma resposta mais duradoura naqueles tratados com MMC. A dilatação por BR seguida da aplicação tópica de MMC foi assim efetuada em todos os doentes, sendo utilizado um tratamento combinado com técnicas interventivas adicionais de acordo com a presença de fibrose, risco hemorrágico e necessidade de manipulação de abundante tecido de granulação. Na nossa experiência, após a primeira aplicação de MMC, foi observada uma melhoria global das estenoses nos 6 meses seguintes.
Devido ao pequeno número de doentes da amostra e ausência de randomização ou grupo controlo, o nosso estudo não permite tirar conclusões definitivas. No entanto, a aplicação tópica de MMC (0,4mg/ml) após dilatação por BR como tratamento broncoscópico adjuvante nas ETPE parece produzir bons resultados, com redução da formação de tecido de granulação e melhoria sustentada do diâmetro traqueal. São necessários estudos prospetivos randomizados e maior investigação para determinar a concentração mais eficaz, tempo e frequência da aplicação de MMC. A possibilidade do seu uso mais precoce no algoritmo de tratamento das ETPE deve ser explorada e pode revelar-se futuramente uma mais-valia no controle do tecido de granulação.
Responsabilidades éticasProteção dos seres humanos e animaisOs autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.