A Pneumonia associada a cuidados de saúde (PACS) está identificada como uma entidade única que difere da pneumonia adquirida na comunidade (PAC) e que, em muitos aspectos, se assemelha à pneumonia nosocomial (PN).
Os autores apresentam um estudo retrospectivo, que inclui doentes internados no Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar de Coimbra com o diagnóstico de PAC e PACS, durante o período de um ano, cujo objectivo foi comparar as características e a abordagem destas duas entidades.
Foram incluídos 197 pacientes, 144 com o diagnóstico de PAC e 53 de PACS. Nos dois grupos foram analisados sexo, idade, co-morbilidades, Índice de gravidade de PSI (Pneumonia Severity Index), envolvimento radiológico, bacteriologia, tratamento e evolução.
Quando comparada com a PAC, a PACS esteve associada a maior severidade, maior taxa de mortalidade e internamentos mais longos; A PACS diferiu da PAC principalmente nos microorganismos causadores e na sua evolução.
Healthcare-associated pneumonia (HCAP) is now identified as a unique entity that differs from community-acquired pneumonia (CAP), and in many ways is similar to nosocomial pneumonia (NP).
Patients with the diagnosis of CAP and HCAP admitted to our Pneumology Unit during one year were retrospectively analysed. The objective was to compare the characteristics and the approach of these two entities.
197 patients were included, 144 with CAP and 53 with HCAP. Sex, age, comorbilities, Pneumonia Severity Index (PSI) score, radiological involvement, bacteriology, treatment and outcomes were analysed in the 2 groups.
Compared to CAP, HCAP was associated with more severe disease, a higher mortality rate and greater length of hospitalization. HCAP differed from CAP mainly in bacteriology and outcomes.
A Pneumonia é uma das principais causas de hospitalização e mortalidade em Portugal. Em 2008 foram internados nos hospitais portugueses 50.890 doentes tendo como diagnóstico principal pneumonia, o que representa um aumento de 18,9% em relação a 2003. Estes doentes foram responsáveis por mais de 350.000 dias de internamento. A taxa de mortalidade padronizada para pneumonia é de 27,8/100.000 habitantes, sendo que, entre 2002 e 2006 a mortalidade por pneumonia aumentou 29,1%1,2.
Diversas sociedades científicas têm apresentado recomendações para a abordagem diagnóstica e terapêutica dos três grupos distintos de Pneumonia (PAC, PACS e PN) como factores críticos de sobrevivência.
A PAC é definida como a apresentação de sinais, sintomas e alterações radiológicas de pneumonia num doente que vem da comunidade e que desenvolve este quadro normalmente até 48h após a admissão no hospital3. A PN é a pneumonia que ocorre 48h após o internamento e que não estava em incubação na altura da admissão4. Mais recentemente a PACS foi reconhecida como uma entidade distinta de infecções respiratórias, apresentando um conjunto de características que a permitem individualizar da PAC e da PN. A PACS é definida como uma pneumonia que ocorre em qualquer doente que tenha estado internado pelo menos durante 2 dias num hospital de agudos nos 90 dias precedentes, resida em instituição de cuidados prolongados, tenha sido submetido a quimioterapia, terapêutica antibiótica endovenosa, tratamento de feridas ou visita a centro de hemodiálise nos 30 dias precedentes ou que conviva com um indivíduo infectado com microrganismos multirresistentes4,5.
Em Portugal há uma escassez de dados epidemiológicos, clínicos e microbiológicos que permitam caracterizar a PACS existindo dúvidas quanto à melhor forma de abordagem.
ObjectivosEste estudo tem por objectivo comparar as características epidemiológicas, clínicas, radiológicas e microbiológicas de PAC e PACS bem como a abordagem terapêutica até agora seguida para estas duas entidades.
Material e MétodosOs autores apresentam uma análise retrospectiva dos processos clínicos relativos aos doentes internados no Serviço de Pneumologia do CHC, durante o período de 1 ano (Novembro de 2007 a Outubro de 2008) com o diagnóstico de PACS e PAC. A PACS e PAC foram definidas com base no documento de consenso sobre Pneumonia Nosocomial da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos4.
Para caracterização dos doentes foram colhidos os dados relativos à idade, sexo, grau de dependência (com base na incapacidade do doente fazer as suas actividades de vida diária sem ajuda, quer devido a limitações físicas, funcionais ou cognitivas), co-morbilidades (definidas pelo Score de Charlson), gravidade da doença definida pela pontuação obtida no índice de gravidade de PSI, características radiológicas, agente etiológico identificado; antibioterapia empírica e necessidade do seu ajuste, complicações, duração do internamento e evolução.
Para o estudo estatístico foi usado o programa SPSS 17.0.
ResultadosForam incluídos 197 doentes, 144 (73%) com o diagnóstico de PAC e 53 (27%) de PACS; Aqueles com PAC apresentavam uma média de idades de 69,5 anos e os com PACS de 77,6 anos (p=0.000 t-test- Figura 1). Os doentes com PACS apresentaram maior grau de dependência (70% vs 25%, p<0.05 Chi-Square test), maior índice de co-morbilidades (5,3 vs 4.4, p=0.067 Chi-Square test), sendo a patologia cardiovascular e a neurológica as mais prevalentes, bem como um score de gravidade mais elevado (PSI IV/V: 79% vs 62%, p<0,05 Chi-square test) e um envolvimento radiológico mais extenso (multifocal: 59% vs 36%, p<0,05 Chi-Square test; bilateral: 34% vs 28%, p=0.456 Chi-Square test). A identificação do agente infeccioso foi realizado em hemoculturas e/ou expectoração e/ou através das secreções brônquicas (aspiração ou broncofibroscopia). A investigação etiológica com pelo menos um exame microbiológico foi feita em 70% dos doentes com PAC e em 72% com PACS (p=0,941 Chi-Square test), sendo que, em apenas 53% do total dos casos foram feitas hemoculturas.
O gérmen mais frequentemente isolado na PACS foi o Staphylococcus aureus meticilino-resistente (SAMR) em 8 doentes, (15%) e na PAC o Streptococcus pneumoniae (5 doentes, 3.5%). O isolamento do SAMR nos casos de PACS corresponde à identificação de 4 em hemoculturas e 4 na expectoração (Tabela 1 e Tabela 2).
As escolhas da antibioterapia empírica nos dois grupos foram semelhantes, sendo a Levofloxacina e a associação de Amoxicilina/Ác. clavulânico e Azitromicina as mais usadas. A mudança de antibiótico ocorreu em 36% dos doentes com PACS e em 8% com PAC (p<0.05, Chi-Square test). Esta mudança ocorreu de forma empírica (por ausência de melhoria ou por agravamento clínico) ou baseada no antibiograma. Na PACS registou-se um número ligeiramente superior de complicações (98% vs 93%, p=0.878 Chi-Square test- Tabela 3), maior tempo de duração do internamento (12,5 vs 9,7 d, p=0.013 t-test- Figura 2) e maior taxa de mortalidade (18% vs 6%, p=0.020 Chi-Square test).
Apesar da pequena amostra deste estudo, os resultados obtidos confirmam a ideia de que a PACS deve ser considerada uma entidade diferente da PAC. Observámos que surge em doentes mais idosos e debilitados, tendo em conta o grau de dependência e as comorbilidades presentes. Estes doentes apresentam um quadro clínico de maior gravidade (PSI mais elevado) e com envolvimento radiológico mais extenso uma vez que estamos a tratar doentes mais débeis e com alterações da imunidade quer devido à idade quer às patologias associadas. A abordagem diagnóstica foi semelhante, tendo sido realizadas hemoculturas em apenas 53% dos doentes, sendo esta percentagem muito aquém do que é recomendado. Embora tenhamos um número reduzido de isolamentos no estudo microbiológico, verificámos que os microorganismos isolados na PACS são mais resistentes e mais parecidos com os da PN, apesar de só termos identificado SAMR e não bacilos gram-negativos, como as Enterobacteriaceae, frequentemente encontradas na PN, o que inevitavelmente vai limitar as nossas conclusões. A abordagem terapêutica empírica mais frequentemente efectuada é feita considerando os microorganismos da comunidade e isto pode explicar a elevada necessidade de mudança da antibioterapia empírica na PACS (> 1/3). A necessidade de ajuste da antibioterapia e a presença de microorganismos multirresistentes pode justificar-se quer pela exposição prévia a antibióticos e a ambientes com microorganismos resistentes, quer pela deficiente adaptação terapêutica à epidemiologia desta forma distinta de infecção. Apesar de muitos dos isolamentos de bactérias multirresistentes terem sido feitos em cultura de secreções brônquicas/expectoração, tratavam-se em todos os casos de amostras qualitativamente aceitáveis.
Este estudo mostra ainda que quando comparada com a PAC, a PACS apresentou maior número de complicações, internamentos mais prolongados, maior mortalidade e inevitavelmente maiores custos, sendo que os principais factores que se associam a estas diferenças são o terreno mais susceptível do doente, a idade mais avançada e os gérmenes multirresistentes envolvidos. O facto de não ter sido efectuada uma terapêutica empírica adequada às bactérias, que foram posteriormente isoladas, pode contribuir grandemente para estes resultados.
ConclusõesApesar de se tratar de um estudo retrospectivo e com pequeno número de doentes, este trabalho vem reforçar a ideia que a PACS e a PAC são de facto entidades distintas, necessitando de uma abordagem diagnóstica e terapêutica diferente4,5. Acumulam-se evidências de que a PACS não pode ser reconhecida como o modelo tradicional de infecções que se adquirem na “comunidade”, uma vez que nestas infecções a bacteriologia se assemelha à do meio hospitalar6,7. Uma eficaz antibioterapia empírica não poderá incluir apenas agentes da comunidade, mas alargar o espectro a agentes nosocomiais8. As recomendações da American Thoracic Society/Infectious Disease Society of America (ATS/IDSA) já defendem isto mesmo, os doentes com PACS devem ser tratados de forma semelhante aos doentes com PN e por isso de forma distinta da PAC9. Em Portugal esta postura ainda não é claramente defendida e por isso mais trabalhos devem ser efectuados para melhor caracterizar a realidade epidemiológica nacional.
Conflito de interesseOs autores declaram não haver conflito de interesse.