Homem de 47 anos de idade, restaurador de arte sacra, apresenta história com 3 semanas de evolução de astenia, mialgias, tosse seca e febre, coincidindo com exposição recente e não protegida a poeiras de ouro. Encontrava-se febril, com crepitações inspiratórias nas bases pulmonares, hipoxémia e elevação dos marcadores inflamatórios. Radiologicamente: áreas de consolidação parenquimatosa com broncogramas aéreos postero-basais bilateralmente, sugerindo processo pneumónico. Provas funcionais respiratórias: padrão restritivo ligeiro. Lavado bronco-alveolar: linfocitose, baixo índice CD4/CD8. Biópsia pulmonar: pneumonia alveolar com processo exsudativo e organizativo. Iniciou terapêutica com prednisolona 40mg id com excelente resposta. TAC de controlo (1 mês): áreas de vidro-despolido sugerindo pneumonite residual. O doente retomou as suas actividades normais com excelente tolerância ao exercício, sob medidas de protecção adequadas.
A 47-year-old man, restorer of religious art, presents a three week history of asthenia, myalgia, dry cough and fever, coinciding with recent, unprotected exposure, to golden dust. He had fever, crackles in lung bases, hypoxemia and elevation of inflammatory markers. Imaging studies showed areas of parenchymal consolidation with air bronchograms in posterior-basal regions of both lungs, suggesting a pneumonic process. Lung function tests: mild restrictive pattern.
Bronchoalveolar lavage: lymphocytosis with low CD4/CD8 ratio. Lung biopsy: intraalveolar pneumonia with exsudative process and organization. Treatment with Prednisolone 40mg id was started with excellent response. First month follow-up CT scan showed areas of ground glass suggesting residual pneumonitis, and he resumed normal activities with excellent exercise tolerance, under appropriate protection measures.
A Pneumonia Organizativa (OP) é uma doença difusa pulmonar várias e uma resposta patológica inespecífica comum do pulmão a lesões1.
A sua forma idiopática é denominada Pneumonia Organizativa Criptogénica (COP), também conhecida como Bronquiolite obliterante com pneumonia organizativa (ou BOOP idiopática)2. Contudo, a denominação Pneumonia organizativa criptogénica (COP) é preferível dado que contém os elementos essenciais da síndrome, evitando confusões com doenças respiratórias tais como a Bronquiolite obliterante constritiva (o que pode ser problemático com o termo BOOP)3. O uso do termo genérico “Pneumonia organizativa” poderá ser mais adequado, com modificadores apropriados de acordo com a etiologia3. A aplicação de critérios de diagnóstico restritos e uma profunda investigação etiológica poderão reduzir de forma drástica o número de formas idiopáticas1.
Considerando os efeitos pulmonares da exposição a minerais, existem vários artigos sobre mineração em minas de ouro, todos relacionando as lesões pulmonares com a exposição à sílica, mas não ao ouro. Assim, as complicações da exposição à poeira de ouro são uma temática difícil de documentar, não existindo actualmente quaisquer referências na Medline sobre este assunto.
Descrição do caso clínicoDoente do sexo masculino, 47 anos de idade, restaurador de arte sacra, ex-fumador, recorre ao Serviço de Urgência com queixas de 3 semanas de evolução de mal-estar geral, mialgias, tosse seca persistente, febre e perda ponderal de aproximadamente 8kg. Durante o mesmo período tinha iniciado um trabalho exaustivo de restauro de altares de talha dourada, com exposição a uma grande quantidade de pó dourado resultante da lixagem e polimento do revestimento dourado.
Ao exame clínico era evidente hipertermia (38°C), ausência de dispneia, estabilidade hemodinâmica, hipoxémia ligeira (SpO2 93%), e, à auscultação pulmonar, eram evidentes crepitações inspiratórias dispersas em ambas as bases pulmonares. Analiticamente verificou-se elevação da velocidade de sedimentação eritrocitária (94mm), elevação da proteína C-reactiva (8,02mg/dL) e discreta anemia normocítica normocrómica (11,9g/dL). As serologias para os agentes infecciosos e a pesquisa de auto-anticorpos foram negativas, tal como a pesquisa de bacilos ácido-álcool resistentes.
No raio-x de tórax eram visíveis opacidades intersticio-nodulares bibasais, mais evidentes à esquerda (fig. 1A).
Imagem 1A - Radiografia de tórax: opacidades intersticiais nodulares em ambas as bases, mas mais evidente no lado esquerdo (seta). Imagem 1B - TAC de alta resolução: áreas de consolidação parenquimatosa bilateral com broncogramas aéreos nas regiões póstero-basal e língula, sugerindo processo pneumónico. Imagem 1C – opacidades em vidro despolido nas bases pulmonares, sem evidência de consolidação parenquimatosa (1 mês de seguimento).
A TAC torácica de alta resolução revelou “(…) zonas de consolidação parenquimatosa com broncogramas aéreos nas regiões postero-basais de ambos os pulmões e na língula, fortemente sugestivas de processo pneumónico (…)” (fig. 1B).
Foram realizadas provas funcionais respiratórias que mostraram padrão restritivo ligeiro com difusão de CO normal.
A broncofibroscopia com lavado bronco-alveolar revelou celularidade com predomínio linfocítico (52%) e baixa relação CD4/CD8 (<1).
Foi feita biópsia transtorácica guiada por TAC, com colheita de 2 fragmentos. A histologia revelou a existência de um processo de pneumonia intra-alveolar organizativa e exsudativa (fig. 2).
Anatomo-patologia (A - H & E, B - citoqueratina): alterações difusas do parênquima pulmonar; alargamento marcado dos septos alveolares, edema e focos de infiltrado linfocítico leve a moderado, com raros neutrófilos e alguns eosinófilos. Proliferação intra-alveolar frequente de miofibroblastos com pequenos nódulos presentes. Estes são parcialmente revestidos por pneumócitos altamente reactivos. Não são identificados granulomas, trombos vasculares ou proliferação neoplásica. Estes aspectos são indicativos de um processo de pneumonia intersticial organizativa e exsudativa.
Em face da história clínica e dos achados clínico-laboratoriais foi assumido o diagnóstico de pneumonia organizativa induzida por agressão de agente químico. O doente iniciou tratamento com Prednisolona 40mg id, com apirexia imediata e melhoria gradual da função respiratória. Medidas de protecção individual foram também aconselhadas.
Após 1 mês o doente vem à consulta encontrando-se assintomático. A TAC de controlo revelou imagens em vidro despolido nas bases pulmonares, sem evidência de consolidação (fig. 1C), configurando uma melhoria significativa. Neste momento foi iniciado desmame lento da Prednisolona (5mg / mês). Ao 3.° mês de seguimento o doente tinha retomado todas as actividades físicas, sem evidência de quaisquer alterações no Raio-x ou TAC torácicos.
Discussão e conclusõesA Pneumonia Organizativa (OP) apresenta características clínicas semelhantes a uma síndrome gripal, com tosse, febre, mal-estar, perda ponderal e ralas inspiratórias frequentemente presentes no exame físico4. Estes achados podem ser facilmente confundidos com uma infecção respiratória e levar à administração de antibióticos1.
O diagnóstico diferencial inclui várias entidades clínicas que poderão estar associadas a um padrão de OP: lesão alveolar difusa, infecção, obstrução das vias aéreas, pneumonia de aspiração, reacção a drogas, exposição a fumos e tóxicos, doenças do colagénio, pneumonite de hipersensibilidade, doença pulmonar eosinofílica, doença inflamatória intestinal, reacção secundária na bronquiolite crónica, e uma reacção reparadora noutros processos (incluindo abcessos, granulomatose de Wegener, e neoplasias)3.
Para se considerar uma OP como criptogénica, primeiro qualquer causa ou condição associada deverão ser excluídas. Assim, deverá ser realizada uma investigação aprofundada de forma a estabelecer uma causa possível para a OP. Numa revisão recente de uma série de casos, Barroso et al demonstraram que apenas 17% dos doentes com o diagnóstico de OP apresentavam uma forma criptogénica1.
O contexto clínico, o tempo de evolução e os achados radiológicos, testes serológicos devidamente seleccionados, a broncofibroscopia (com lavado bronco-alveolar) e a biópsia pulmonar são importantes para o diagnóstico. A correlação entre os achados histopatológicos, o contexto clínico e os achados radiológicos é essencial5.
No caso apresentado a exposição recente a poeira resultante do uso de um produto de polimento de altares de talha dourada acabou por ser essencial para o estabelecimento de um diagnóstico etiológico.
Alterações radiológicas típicas foram encontradas quer no Raio-x de tórax quer na TAC torácica de alta resolução. As provas funcionais respiratórias, apesar de inespecíficas, mostraram um padrão restritivo e hipoxémia, o que é também compatível com uma OP. O lavado bronco-alveolar (BAL) revelou citologia consistente com OP. Apesar dos achados do BAL poderem sugerir uma doença específica, estes não são diagnósticos. Infelizmente o atraso entre a admissão do doente e a realização do BAL não permitiu a identificação das partículas de ouro.
A biópsia pulmonar cirúrgica é o “standard” para o diagnóstico1–6. Este é o método mais eficaz na confirmação do diagnóstico e na avaliação da actividade da doença4. A biópsia de 2 locais separados é preferível, mas uma amostra generosa de um local que seja representativo do processo em causa pode ser suficiente5. Um diagnóstico preciso é importante pois identifica os doentes que maior benefício poderão obter da terapêutica6.
Estudos recentes também demonstraram que a biópsia pulmonar trans-torácica guiada por TAC (um procedimento comum no nosso hospital) poderá provar ser uma alternativa razoável aos procedimentos mais invasivos (biópsias transbrônquicas e cirúrgicas abertas)7,8.
O padrão de OP é um processo disperso caracterizado primariamente por pneumonia organizativa envolvendo os alvéolos e ductos alveolares, com ou sem pólipos bronquiolares intraluminais, e porções de tecido conjuntivo laxo e células inflamatórias preenchendo os alvéolos e bronquíolos distais6.
A biópsia neste caso demonstrou um processo de pneumonia organizativa. Dado que outras causas foram excluídas, a potencial agressão pulmonar devido à inalação de um produto químico (contendo ouro mineral) foi considerado como factor etiológico.
A terapêutica glucocorticóide – Prednisolona 1.0 a 1.5mg/kg/dia – apresenta boa resposta e induz remissão clínica em dois terços dos doentes ao cabo de 4 semanas6. Nesta altura, em caso de resposta favorável, inicia-se desmame para 0.5 a 1.0mg/kg/dia. A duração do tratamento é de cerca de 6 meses e o prognóstico é geralmente favorável, com recuperação total observada em 2/3 dos doentes2.
E tal foi o que aconteceu com o nosso doente. Ao fim de 4 semanas de tratamento foi notada remissão completa do ponto de vista clínico e franca melhoria radiológica (A TAC de tórax revelou áreas residuais de vidro-despolido). A actividade física normal foi retomada. Apesar da corticoterapia, a evicção do agente causador é mandatória, através de, neste caso, uso de máscaras de protecção adequadas.