Na presente edição da Revista Portuguesa de Pneumologia é publicado o estudo de Pegas e col.1, que identifica os factores de risco para a prevalência de problemas respiratórios numa população escolar (5-12 anos) de Lisboa.
Para além daqueles conclui que existe uma elevada prevalência de sibilância (43,3%) e rinite alérgica (43,0%) nas crianças rastreadas. E que esta prevalência aumentou em relação a estudos anteriores.
Num artigo recentemente publicado2 chamámos a atenção dos leitores para o problema da asma. Porquê?
Porque é nossa convicção que a(s) asma(s) brônquica(s) não tem tido, num passado recente, que situaríamos desde a segunda metade dos anos 90 do século XX, a atenção e o interesse que merece, e necessita, por parte dos diversos grupos de profissionais de saúde.
Esta constatação tem gerado, em nós, uma interrogação sobre o motivo da perda de interesse nesta doença.
Será que o número de doentes, actualmente, é tão reduzido que não justifique a nossa atenção?
Ou continuarão a ser mais de 300 milhões em todo o mundo – e cerca de 700.000 com asma activa em Portugal – mas já atingiram níveis de controlo que a todos – e, particularmente, aos doentes – satisfaz?
Ter-se-ia conseguido inverter, ou travar, o aumento da prevalência nos países mais desenvolvidos que, nalguns, ultrapassa os 50% por década?
Terão as populações – em particular os doentes e seus familiares – alcançado graus de conhecimento que lhes possibilite a qualidade de vida e bem-estar que desejam, e a que têm direito?
Ter-se-ão conseguido reduzir, substancialmente, os custos da afecção?
A resposta a estas questões, que são um breve exemplo das muitas que a asma continua a suscitar, é sempre… não!
Então, qual a razão da perda de interesse?
Em nossa opinião duas palavras sintetizam a resposta: a moda.
A palavra moda está, habitualmente, associada ao vestuário e ao conjunto dos diversos elementos que o compõe.
Mas podemos, igualmente, falar de moda quando referimos uma forma de agir, ou um modelo de comportamento, aceite e partilhado por um grupo humano, num determinado momento.
A aceitação de um modo de agir, ou de certo modelo, pode ter múltiplas e variadas razões, e motivações. Algumas tão simples como o desejo, ou o gosto, pela novidade, pela mudança.
Mas, como também sabemos, vontades e desejos podem ser induzidos e moldados, por vezes, de forma, relativamente, fácil.
O facto é que a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), até então obscurecida, adquiriu, nos últimos 10-15 anos, um estatuto de « prima dona », relegando a(s) asma(s) para um papel secundário.
Basta lermos a nossa Revista Portuguesa de Pneumologia, ou folhearmos os programas dos nossos congressos e reuniões, para que a realidade acima relatada seja consubstanciada.
A descriminação negativa da asma chega ao ponto de novos fármacos, como um β2 agonista de ultra longa duração, estarem apenas indicados na DPOC, sendo expressamente referida, nas informações que os acompanham, que não têm indicação na asma brônquica!
Passámos uma esponja na história dos fármacos adrenérgicos na asma, que ascende a vários milénios3. E à do « recente » final do anos 60 do século XX, quando já possuíamos a isoprenalina e orciprenalina – ambas constituindo considerável avanço, mas continuando com uma selectividade para os receptores β que tantos problemas originaram nos nossos doentes asmáticos. E à do benefício que estes doentes asmáticos tiveram com a introdução, no armamentário terapêutico, do salbutamol e da terbutalina, no início dos anos 70.
A mudança de conceitos, nos anos 80, considerando a asma como uma doença inflamatória das vias aéreas, secundarizou o papel daqueles fármacos em relação aos corticosteróides inalados. Mas não lhes retirou importância no controlo da obstrução dos doentes asmáticos, quer esta tenha um carácter permanente quer seja episódico.
Curiosamente, ao longo de várias décadas, considerou-se, e justificou-se cientificamente, que os fármacos broncodilatadores de primeira linha na DPOC eram os anticolinérgicos.
Este novo posicionamento, ou esta nova moda ou comportamento, poderia ter subjacente um aspecto que associaríamos às perspectivas evolutivas das doenças, em função de um tratamento adequado.
Na asma, o que se espera é que a grande maioria dos doentes atinja o controlo da sua doença num período de tempo que pode ser, relativamente, curto – de meses.
E, a partir do controlo, o tratamento de manutenção poderá ser efectuado com um corticosteróide inalado e um β2 agonista para alívio que, idealmente, não será utilizado.
Ou seja, muitos doentes poderão obter uma qualidade de vida e bem-estar – como se não padecessem da qualquer enfermidade – com terapêutica mínima.
Infelizmente, já o mesmo não sucede com uma percentagem muito elevada de doentes com DPOC. Esta é uma afecção que deve ser prevenida. Mas, uma vez estabelecida, passa por uma abordagem em que a prevenção da progressão, é um objectivo major.
E, na sua terapêutica, adicionam-se anticolinérgicos, β2 agonistas, corticosteróides inalados, metilxantinas ou, num futuro muito próximo, um inibidor da fosfodiesterase 4.
E o tratamento será prolongado ad perpetuam.
Serão perspectivas como estas que « ditam a moda »?