Em 2008, foram registados em Portugal cerca de 3.300 novos casos de cancro do pulmão e quase o mesmo número de mortes devidas a esta patologia1.
Nas últimas 2 décadas, a melhoria na sobrevivência do carcinoma do pulmão não-pequenas células (CPNPC) foi modesta. Desde 1990, houve várias mudanças no tratamento do CPNPC avançado, incluindo a introdução de novos agentes e regimes de quimioterapia (QT)2, aumento da utilização de QT de salvação3,4, e o desenvolvimento de terapias dirigidas a alvos moleculares, especialmente com os inibidores da tirosina cinase (TKI) do recetor do fator de crescimento epidérmico (EGFR)5. A adaptação do tratamento a cada doente com CPNPC emergiu como um objetivo, particularmente no que se refere ao benefício clínico versus toxicidade.
No entanto, ainda estamos longe desvendar o puzzle das alterações genéticas que conduzem ao desenvolvimento do CPNPC. A caracterização molecular do cancro do pulmão, que conduziu à identificação de diversas alterações moleculares, como mutações no EGFR ou translocações no ALK (anaplastic lymphoma kinase), e a subgrupos de cancro do pulmão com diferente história natural e diferente resposta ao tratamento, em conjunto com o alargamento do leque das opções de tratamento, levantam várias questões. Como selecionar a população certa de doentes para a melhor opção terapêutica? Qual o valor que a sociedade está disposta a despender para a implementação de métodos de caracterização molecular do cancro do pulmão? Como se pode melhorar o custo-efetividade desses métodos? Está a sociedade disposta a suportar o encargo destes novos métodos de diagnóstico molecular e das novas drogas terapêuticas, mesmo que sejam, de alguma forma, custo-efetivas? E, atualmente, será a evidência suficiente para ultrapassar o desafio da contenção de custos?
Pesquisar as mutações no EGFR em doentes com CPNPC avançado ou metastático pode ajudar o médico a determinar quais os que terão maior probabilidade de responder aos inibidores da tirosina cinase do EGFR, adequando a terapia na altura do diagnóstico.
Em Portugal, apresentamos uma análise retrospetiva do resultado da genotipagem do EGFR nos 3 maiores centros do norte do país (Centro Hospitalar de V. N. Gaia, Instituto Português de Oncologia – Centro do Porto, Hospital de S. João), desde Julho de 2006 até Janeiro de 2011 [dados não publicados]. Estudámos 621 doentes, com uma média de idades de 65 anos (20-89 anos), 30% dos quais eram mulheres, 64% apresentavam histologia de adenocarcinoma e 21% tinham carcinoma epidermoide. Descobrimos a presença de mutações no EGFR em 14,3% do total de doentes com CPNPC (17,5% com adenocarcinoma e 9,5% com carcinoma epidermoide), sendo que, destes, 6,3% se localizam no exão 19 (43,8% dos doentes mutados, dm), 5,3% no exão 21 (37,1% dos dm), 1,7% no exão 20 (12,4% dos dm) e 1,0% no exão 18 (6,7% dos dm).
Este trabalho teve início em 2 dos maiores centros há 5 anos, com a seleção de alguns doentes com base nas suas características clínicas. Após a clarificação da importância do papel dos inibidores da TK do EGFR no tratamento de primeira linha do CPNPC avançado ou metastático, estes centros e, posteriormente, o terceiro, começaram a pesquisar as mutações a todos os novos doentes possíveis. Entretanto, iniciou-se uma discussão em fóruns científicos nacionais, envolvendo líderes de opinião e alguns grupos cooperativos, como o Grupo de Estudos de Cancro do Pulmão Português sobre a necessidade de realizar a análise das mutações do EGFR. Estes debates foram fundamentais para trazer a lume questões importantes, como: qual a quantidade de amostra (tecido) de cancro que é necessária, como otimizar o circuito desde a colheita da amostra até à realização da análise, quanto tempo se deve (pode) esperar pelo resultado, e que informação os patologistas e geneticistas devem dar aos médicos que tratam os doentes.
O rearranjo do ALK (ALK+) foi identificado nos doentes com CPNPC como sendo uma inversão no braço curto do cromossoma 2 (2p) com ou sem deleção intersticial, inv(2)(p21p23), resultando num produto de fusão denominado echinoderm microtubule-associated protein-like 4 (EML4)-ALK6. Este oncogene de fusão representa um dos novos alvos moleculares no CPNPC, desempenhando um papel-chave na carcinogénese pulmonar num subgrupo de doentes6,7, que pode ser bloqueado de forma eficaz por pequenas moléculas inibidoras que têm como alvo o ALK.
Este rearranjo (EML4-ALK) é, no entanto, pouco frequente, ocorrendo em 2 a 7% de todos os CPNPC8,9. É mais prevalente em doentes não fumadores ou fumadores «leves» e em doentes com adenocarcinoma7,10,11. Nestes subgrupos populacionais, a prevalência das mutações do EML4-ALK pode rondar os 20-30%12. No entanto, o género, a idade e os hábitos tabágicos não são variáveis sólidas relacionadas com os rearranjos do ALK no CPNPC13.
Não está ainda definido um método padrão para a deteção das mutações EML4-ALK, podendo ser utilizadas várias técnicas moleculares. A hibridação fluorescente in situ (FISH) é a metodologia utilizada atualmente pela maioria de nós e para o recrutamento para ensaios clínicos, embora seja uma técnica dispendiosa e não disponível para a rotina. A padronização de todas as variáveis pré-analíticas, incluindo o manuseamento do tecido, a sua fixação e processamento e a escolha dos anticorpos anti-ALK são essenciais quando se realiza FISH14.
O Crizotinib (PF-02341066, Pfizer) é um inibidor oral, seletivo e competitivo do ATP das TK do ALK e do MET, inibindo a fosforilação da tirosina do ALK ativado em concentrações nanomolares15,16. O primeiro ensaio de fase i publicado avaliou 82 doentes com rearranjos do ALK com CPNPC avançado submetidos a várias terapias prévias8. Com uma duração de tratamento de 6,4 meses, a taxa de resposta global correspondeu a uns impressionantes 57%, com uma taxa de doença estável de 33%. A probabilidade estimada de sobrevivência livre de progressão aos 6 meses foi de 72%, sem se ter atingido a mediana de sobrevivência. A utilização deste fármaco resultou em efeitos laterais gastrintestinais de grau 1 ou 2 (ligeiros).
Numa população não selecionada de doentes com CPNPC, apenas cerca de 4% tem rearranjos do ALK, e esta pequena proporção de doentes ALK+ constitui uma limitação ao acesso à droga relacionada – Crizotinib. A melhor forma de identificar este grupo de doentes e qual o método mais adequado para deteção do ALK+ constitui atualmente material de grande discussão e investigação.
É possível definir 3 grupos de tumores que não apresentam rearranjos do ALK e que podem ser excluídos da pesquisa dos rearranjos do ALK: tumores com mutações ativantes do EGFR, doentes que mostraram resposta objetiva a tratamento prévio com inibidores da TK do EGFR e, eventualmente, tumores sem expressão de TTF-117. No entanto, esta estratégia só permite selecionar os doentes após ser conhecido o resultado do teste da mutação do EGFR ou ser avaliada a resposta aos inibidores da TK do EGFR, perdendo-se, deste modo, 5 a 6 dias úteis, na primeira hipótese, ou de um a 3 meses, na segunda. No que concerne à expressão do TTF-1, este marcador é negativo numa minoria de casos, pelo que a sua relevância para a seleção de doentes ALK+ é marginal.
Em Portugal, o primeiro passo consistirá no envolvimento de alguns dos principais centros, numa população selecionada (CPNPC estadios iv, adenocarcinoma, não-fumadores ou fumadores «leves»), tendo como objetivos a avaliação e otimização dos circuitos necessários, desde a colheita da amostra até à implementação do teste e como obterão os clínicos o resultado. Paralelamente, serão necessários alguns encontros nacionais para discutir a importância do ALK, o teste da sua mutação e o valor do Crizotinib nos doentes ALK+. Após estes passos iniciais, provavelmente 2 ou 3 destes centros principais decidirão realizar a pesquisa da translocação do ALK, para se conhecer a incidência desta mutação na população portuguesa com CPNPC. Estas fases permitirão também a requisição do Crizotinib para doentes ALK+ e adquirir experiência com este fármaco.
Num futuro próximo, todos os clínicos que tratam CPNPC necessitarão de caracterizar o tumor histologicamente e, especificamente, ao nível de alguns alvos moleculares. Estas características influenciarão a escolha dos fármacos a utilizar em cada caso, nomeadamente ao nível dos efeitos adversos relacionados com estes e, obviamente, a sobrevivência. Isto é personalizar a medicina.