Journal Information
Vol. 17. Issue 6.
Pages 266-271 (November - December 2011)
Share
Share
Download PDF
More article options
Visits
8474
Vol. 17. Issue 6.
Pages 266-271 (November - December 2011)
Artigo original
Open Access
Unidade de Tuberculose: Casuística de dez anos de actividade (1999-2009)
Tuberculosis Unit: Case Study of 10 years of activity (1999-2009)
Visits
8474
T. Lopes
Corresponding author
telmasl.81@gmail.com

Autor para correspondência.
, C. Gomes, N. Diogo
Serviço de Pneumologia, Unidade de Tuberculose, Hospital Pulido Valente (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE), Lisboa, Portugal
This item has received

Under a Creative Commons license
Article information
Abstract
Full Text
Bibliography
Download PDF
Statistics
Figures (2)
Tables (3)
Tabela 1. Características dos 1917 doentes internados com tuberculose
Tabela 2. Análise de regressão logística binária para a mortalidade entre os doentes com tuberculose
Tabela 3. Análise dos dados de acordo com períodos de cinco anos (1999-2004 e 2005-2009)
Show moreShow less
Resumo
Introdução

O Serviço de Pneumologia de um Hospital Central de Lisboa criou uma Unidade dedicada exclusivamente ao internamento de casos de tuberculose (TB).

Objectivos

Análise casuística e avaliação dos factores preditivos de mortalidade intra-hospitalar, num período de dez anos.

Material/Métodos

Estudo retrospectivo, entre Abril de 1999 e Setembro de 2009, através da aplicação SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) para a regressão logística binária.

Resultados

Do total de 1917 doentes, a maioria era do sexo masculino (n=1450; 76%), caucasiana (76,6%), com média de idades de 43±15,2 anos, e 19,8% de imigrantes. Os retratamentos foram responsáveis por 26% dos internamentos. A presença de comorbilidades foi encontrada em 85,7%, salientando-se a infecção pelo VIH (34,7%). A TB multirresistente (MR) e a extensivamente resistente (XDR) surgiram em 6,6% e 6,8%, respectivamente. A demora média foi de 28,5±54,8 dias e a taxa de mortalidade de 8,6%. O risco de mortalidade foi maior entre os homens (OR 1,8; IC95% 1,16-2,90; p<0,01), nos doentes com infecção VIH (OR 3,7; IC95% 2,47-5,49; p<0,001), e nos que apresentaram TB MR (OR 2,5; IC95% 1,24-5,15; p<0,01) e XDR (OR 5,5; IC95% 3,14-9,58; p<0,001).

Conclusões

Uma elevada percentagem dos doentes apresentava comorbilidades, nomeadamente a infecção VIH. Os principais factores associados à mortalidade foram a infecção VIH, a TB XDR e a TB MR.

Palavras-chave:
Tuberculose
Epidemiologia
Multirresistência
Mortalidade
Abstract
Introduction

The Pulmonology Service of a Central Hospital in Lisbon created a Unit dedicated to the treatment of tuberculosis (TB).

Objectives

Casuistic analysis and assessment of the predictive factors for in-hospital mortality, over a 10-years period.

Material/Methods

Retrospective study, from April 1999 to September 2009, through the Statistical Package for the Social Sciences application for binary logistic regression.

Results

In a total of 1917 patients, most were male (n=1450; 76%), Caucasian (76.6%), with an average age of 43±15.2 years, and 19.8% were immigrants. The retreatments were responsible for 26% of the hospitalizations. The presence of comorbidities was detected in 85.7%, particularly HIV infection (34.7%). The multidrug-resistant (MDR) and the extensively drug resistant (XDR) TB occurred in 6.6% and 6.8%, respectively. The average delay was 28.5±54.8 days, with the mortality rate at 8.6%. The mortality risk was more significant amongst men (OR 1.8; 95%CI 1.16-2.90; p<0.01), in patients with HIV infection (OR 3.7; 95%CI 2.47-5.49; p<0.001), and amongst those who presented MDR TB (OR 2.5; 95%CI 1.24-5.15; p<0.01) and XDR TB (OR 5.5; 95%CI 3.14-9.58; p<0.001).

Conclusions

A high percentage of patients presented comorbidities, namely HIV infection. The main factors associated with mortality were HIV infection, XDR TB and MDR TB.

Keywords:
Tuberculosis
Epidemiology
Multidrug-resistance
Mortality
Full Text
Introdução

A tuberculose (TB) mantém-se, em pleno século xxi, uma das doenças infecciosas que apresenta maior mortalidade a nível mundial1, correspondendo a 28/100000 habitantes2.

De acordo com o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2008, a nível mundial, estimava-se, em 2006, o aparecimento de cerca de 9,4 milhões de novos casos, com uma incidência de 139/100000 habitantes2. Estima-se que cerca de 7,7% eram VIH (vírus da imunodeficiência humana) positivos.

Em Portugal, no ano de 2009, foram diagnosticados 2565 casos novos de TB, com uma incidência de 24,1/100000 habitantes3. Em 2008, a taxa de mortalidade nacional por TB foi de 5,3%4. Na última década tem vindo a constatar-se um decréscimo médio anual de 7,3% no total de casos. Em relação à prevalência do Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (SIDA) nos doentes com o diagnóstico de TB, registaram-se, em 2009, 13% de doentes coinfectados, sendo esta a maior percentagem de todos os países europeus que notificam esta associação.

Um dos grandes problemas no combate a esta patologia é a resistência do Mycobacterium tuberculosis (Mt) a vários fármacos antibacilares, particularmente à Isoniazida e à Rifampicina, definindo a maior ameaça de sempre da TB – a multirresistência. Em Março de 2006, constatou-se uma forma ainda mais grave, também resistente aos antibacilares de segunda linha (antibacilares de primeira linha e qualquer fluoroquinolona, e a pelo menos um dos três fármacos endovenosos: capreomicina, canamicina e amicacina), a que foi dado o nome de TB extensivamente resistente (TB XDR)5.

De acordo com dados da OMS, em 2007, estimou-se existirem cerca de 500000 casos de tuberculose multirresistente (TB MR)6. A nível da Europa, anualmente, mais de 70000 casos desenvolvem multirresistência3.

Em Portugal, a incidência de TB MR tem vindo a diminuir representando, em média, 1,7% do número total de casos de tuberculose em 2009 (1,2% em casos novos e 7,3% em retratamentos), com uma proporção comparável à média da União Europeia. Em Dezembro de 2009, a prevalência de TB MR era de 63 casos, 24% dos quais com critérios de XDR3.

Devido à elevada prevalência e incidência de TB em Portugal no fim do século xx, o Serviço de Pneumologia do Hospital Pulido Valente criou, em Abril de 1999, uma Unidade exclusivamente dedicada ao internamento de doentes com TB.

Este trabalho teve como objectivo analisar a casuística e os factores preditivos da mortalidade intra-hospitalar nesta Unidade.

Material e métodos

Os autores realizaram um estudo retrospectivo de todos os doentes internados com TB na Unidade de Tuberculose entre o dia 12 de Abril de 1999 e 30 de Setembro de 2009.

Os critérios para a admissão na Unidade foram os seguintes: formas graves de apresentação, presença de comorbilidades, reacções adversas graves iatrogénicas, condições sócio-económicas precárias e isolamento da TB MR/XDR bacilífera.

Todos os dados utilizados no estudo foram obtidos a partir das notas de alta, e os diagnósticos obedeceram à Classificação Internacional de Doenças, 10.a Revisão (ICD-10).

Efectua-se uma descrição da população e análise das suas características demográficas, da classificação de registo e notificação da TB proposta pela OMS, dos antecedentes de TB, dos diagnósticos principais, de comorbilidades, das reacções adversas à terapêutica antibacilar, dos padrões de sensibilidade, da demora média, do estado à saída e da mortalidade.

Para a análise estatística, as diferenças entre os grupos de variáveis categoriais foram avaliadas através do teste qui-quadrado (X2) e as variáveis numéricas através do teste t. Em relação aos factores associados à mortalidade, foi realizada uma análise de regressão logística binária. A aplicação utilizada foi o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 15.0. Os dados de regressão logística são apresentados com odd ratios ajustados (ORA), com os correspondentes intervalos de confiança (IC) de 95% e os valores de p.

Resultados

No período entre 12 de Abril de 1999 e 30 de Setembro de 2009, foram internados 1917 doentes na Unidade de Tuberculose. Destes, a maioria pertencia ao sexo masculino com 1450 casos (76%).

A média de idades foi de 43±15,2 anos (entre os 16-95 anos). A média de idades no sexo masculino foi, do ponto de vista estatístico, significativamente superior à do sexo feminino (43±14,1 vs 41±18,1 anos; p<0,001).

Salienta-se que 759 doentes (39,6%) apresentavam idades entre os 35-49 anos. Constatou-se também que os grupos etários com maior incidência de homens e de mulheres se encontravam entre os 35-44 anos (29,9%) e os 25-34 anos (30,2%), respectivamente.

A maioria da população era de raça caucasiana (n=1469; 76,6%) e de nacionalidade portuguesa (n=1537; 80,2%). Apenas 380 doentes (19,8%) eram estrangeiros.

Os imigrantes eram sobretudo do sexo masculino (n=292; 76,8%) e a sua origem predominantemente africana (n=299; 78,7%), em ambos os sexos. Apenas 7 (1,8%) eram provenientes da Europa Ocidental. Os 299 imigrantes africanos eram, na grande maioria, provenientes dos países de expressão portuguesa.

Em relação à profissão, 50,7% era população activa. Destes, a maioria era constituída por operários e trabalhadores não qualificados (n=764; 78,6%) e apenas 3,1% (n=30) por quadros superiores. É de realçar que uma parte significativa do total dos doentes (n=682; 35,6%) estava desempregada e 222 doentes (11,6%) eram reformados.

Na tabela 1 encontram-se resumidas as características dos 1917 doentes.

Tabela 1.

Características dos 1917 doentes internados com tuberculose

Características dos doentes  n (%) 
Grupo etário (anos)   
16-24  151 (7,9) 
25-34  513 (26,8) 
35-49  759 (39,6) 
50-70  368 (19,2) 
> 71  126 (6,6) 
Sexo   
Masculino  1450 (75,6) 
Feminino  467 (24,4) 
Infecção VIH   
Positivo  665 (34,7) 
Negativo  1252 (65,3) 
Local da infecção   
TB Pulmonar  1485 (77,5) 
TB Extra-pulmonar  422 (22,5) 
Ganglionar  221 (52,4) 
Pleural  144 (34,1) 
Miliar  121 (28,7) 
SNC  23 (5,5) 
Laríngea  17 (4) 
Outros  54 (12,8) 
Classificação da OMS   
Casos novos  1418 (74) 
Retratamentos  499 (26) 
País de origem  380 (19,8) 
Angola  109 (36,5) 
Cabo Verde  98 (32,8) 
Guiné-Bissau  58 (19,4) 
Moçambique  16 (5,4) 
Sao Tomé e Principe  13 (4,3) 
Outros  86 (22,6) 

VIH=vírus da imunodeficiência humana; TB=Tuberculose; SNC=Sistema nervoso central; OMS=Organização Mundial da Saúde.

Dos 1917 doentes com diagnóstico de TB, 74% (n=1418) eram casos novos e 26% (n=499) correspondiam a casos de retratamento. Nestes, a maioria foi devida a recidivas (49,7%) e a interrupções do tratamento anterior (38,5%).

Do ponto de vista radiológico, a forma de apresentação mais frequente, nos casos de TB pulmonar, foi a cavitada.

Na tabela 1 encontram-se representadas as formas de apresentação da TB extra-pulmonar.

Apenas 274 doentes (14,3%) não apresentavam outras patologias associadas. Os restantes 85,7% (n=1643) apresentavam pelo menos uma comorbilidade. As mais frequentes foram as alterações metabólicas/nutricionais (n=773; 47%) e os comportamentos aditivos (n=663; 40,4%), nomeadamente o alcoolismo (n=410; 61,8%) e a toxicofilia (n=326; 49,2%).

Outra comorbilidade, com um grande impacto nesta população, foi a infecção pelo VIH, presente em 665 doentes (34,7%) dos quais 528 (79,4%) eram homens. Este grupo era maioritariamente de raça caucasiana (n=502; 75,5%); os imigrantes contribuíram com 18,2% (n=121), sobretudo os africanos (n=108; 89,3%) provenientes de Cabo Verde (n=36; 29,8%) e da Guiné-Bissau (n=33; 27,3%).

Dos 425 doentes com VIH a quem foi efectuada a contagem de células CD4, 311 (73,2%) tinham menos de 200 células/mm3, sendo o número médio significativamente menor em relação ao grupo de doentes sem coinfecção VIH (162±192,1 vs 747,7±349,4; p<0,001), o que atesta o deficiente grau de imunidade daqueles doentes.

Comparando as formas de apresentação de TB entre o grupo de doentes com VIH e os não infectados por este vírus, verificou-se que, apesar da distribuição ser semelhante, as formas de TB exclusivamente extra-pulmonares e as formas mistas são muito mais frequentes entre os doentes VIH+ (fig. 1).

Figura 1.

Formas de apresentação da TB entre o grupo de doentes sem infecção pelo VIH e o grupo de doentes infectados, assim como os riscos relativos.

(0.13MB).

Neste estudo, constatou-se ainda que ocorreram reacções adversas à terapêutica em 213 doentes (12%). As mais frequentes foram as hepáticas (n=102; 47,9%) e as de hipersensibilidade (n=61; 28,6%). A maioria das reacções adversas ocorreram nos esquemas terapêuticos com HRZE (Isoniazida+Rifampicina+Pirazinamida+Etambuto). É importante salientar que as reacções adversas foram mais frequentes nos doentes com VIH (13,7%) do que nos não infectados (9,7%).

Foi possível obter os resultados dos testes de sensibilidade aos antibióticos (TSA) em 1492 doentes (77,8%). Destes, 1129 (75,7%) apresentavam sensibilidade a todos os antibacilares de primeira linha. A monorresistência (sobretudo à estreptomicina) foi encontrada em 131 doentes (8,8%) e a polirresistência apenas em 32 (2,1%). Em 98 doentes (6,6%), os TSA apresentavam um padrão de multirresistência (MR) e 102 doentes (6,8%) revelavam TB XDR.

Caracterizando melhor os doentes com TB MR, cerca de 78 (80%) eram de nacionalidade portuguesa, 38 (38,8%) infectados com o VIH, estando a toxicodependência presente em 40 doentes (40,8%). A maioria correspondia a casos de retratamento (n=52; 53,1%). Neste grupo de doentes, 70 (71,4%) tiveram alta devido a melhoria no quadro clínico; a taxa de mortalidade foi de 11% (n=11).

No que diz respeito à TB XDR, a maioria (n=86; 84,3%) era também de nacionalidade portuguesa e 67 (65,7%) estavam infectados pelo VIH. Ainda neste grupo, 43 (42,2%) apresentavam hábitos toxicofílicos. Apenas 20 (19,6%) eram casos novos, sendo os restantes 82 (80,4%) referentes a retratamentos. Neste grupo de doentes, 62 (60,8%) tiveram alta devido a melhoria no estado clínico; a taxa de mortalidade foi de 25,5% (n=26).

Comparando os doentes com e sem infecção VIH, verificou-se que o número de TB XDR no primeiro grupo era 3,6 vezes superior ao do segundo grupo (10,1% vs 2,8%).

Verificou-se que os casos de retratamento aumentaram 5,6 vezes o risco de desenvolvimento de formas de TB MR ou XDR e a infecção VIH aumentou em 2,3 vezes esse risco, em relação aos doentes com novos casos de TB.

Abordando o estado dos doentes à saída, 1636 doentes (85,3%) tiveram alta por melhoria do quadro clínico. Neste grupo de doentes, 91,9% (n=1504) não apresentavam resistências aos fármacos antibacilares, 4,3% (n=70) eram casos de TB MR e apenas 3,8% (n=62) eram casos de TB XDR.

A demora média global de internamento foi de 28,5±54,8 dias, sendo ligeiramente maior nas mulheres comparativamente à dos homens, mas sem significado estatístico (30,5 vs 27,9 dias; p<0,16). As demoras médias de internamento analisadas de acordo com os padrões de sensibilidade, assim como os respectivos níveis de significância, encontram-se representados na figura 2.

Figura 2.

Demora média analisada de acordo com os padrões de sensibilidade e respectivos níveis de significância.

(0.06MB).

A demora média dos doentes com TB sem infecção VIH não mostrou, nesta amostra, diferenças estatisticamente significativas relativamente aos coinfectados com o VIH (28,4±45 vs 32,9±35,1; p<0,093).

A taxa de mortalidade foi de 8,6% (n=165). Dos falecidos, 139 doentes (84,2%) eram do sexo masculino; a média de idades foi significativamente superior em relação aos doentes que tiveram alta (48,7±17,2 vs 42±14,9 anos; p<0,001) e a maioria não apresentava antecedentes de TB (n=116; 70,3%).

Dos 165 óbitos, verificou-se que 112 doentes (68%) tinham três ou mais comorbilidades e 94 (57%) estavam infectados pelo VIH, sendo que 65 (73%) apresentavam hábitos toxicofílicos.

Outras comorbilidades frequentemente encontradas entre os doentes falecidos foram o tromboembolismo pulmonar (n=17; 10,3%), a diabetes mellitus (n=15; 9,1%) e as neoplasias (n=14; 8,5%).

Entre os doentes VIH+ falecidos, a média de células CD4 foi de 78,3±109,4 células/mm3, e entre os doentes VIH+ que não faleceram essa média foi de 173,2±198 células/mm3 (diferença com significado estatístico; p<0,001).

A análise dos factores associados à mortalidade intra-hospitalar consistiu num modelo de regressão logística binária, em que a variável dependente foi a mortalidade e as variáveis independentes foram o sexo masculino, a infecção VIH, a TB MR e a XDR. Na tabela 2 apresentam-se os resultados da análise, indicando-se os odds ratios ajustados e os respectivos intervalos de confiança.

Tabela 2.

Análise de regressão logística binária para a mortalidade entre os doentes com tuberculose

Variáveis  Odds-ratio ajustados (IC95%Valor de p 
Sexo masculino  1,831 (1,155-2,901)  < 0,01 
Infecção VIH  3,679 (2,465-5,491)  < 0,001 
TB MR  2,530 (1,244-5,148)  < 0,01 
TB XDR  5,487 (3,143-9,579)  < 0,001 

VIH=vírus da imunodeficiência humana; TB MR=tuberculose multirresistente; TB XDR=Tuberculose extensivamente resistente; IC=Intervalo de confiança.

Os resultados mostram que a TB XDR e a infecção VIH tiveram maior impacto na sobrevida. A TB MR e o sexo masculino também foram significativamente relacionados com a probabilidade de morrer.

Os dados até aqui analisados corresponderam ao total dos internamentos durante os dez anos. Os autores consideraram importante salientar os resultados divididos em dois grandes períodos (tabela 3). Nos últimos cinco anos houve diminuição do número de internamentos (mas sem diferença estatisticamente significativa na demora média), do número de doentes com infecção VIH, do número de retratamentos, dos casos de TB MR e XDR e da mortalidade intra-hospitalar. Desta forma, constata-se que, actualmente, há um melhor controlo da doença.

Tabela 3.

Análise dos dados de acordo com períodos de cinco anos (1999-2004 e 2005-2009)

  De 1999 a 2004De 2005 a 2009Valor de p 
   
N° de internamentos  1066  55,6%  851  44,4%   
Infecção VIH  413  38,7%  252  29,6%   
Retratamentos  316  29,6%  183  21,5%   
TB MR  62  5,8%  36  4,2%   
TB XDR  62  5,8%  40  4,7%   
Demora média (dias)  29,9±60,726,8±46,2p>0,05 
Mortalidade  108  10,1%  57  6,7%   

=número; VIH=vírus da imunodeficiência humana; TB MR=Tuberculose multirresistente; TB XDR=Tuberculose extensivamente resistente.

Discussão

Tal como seria de esperar, e de acordo com a situação epidemiológica da TB em Portugal3, nesta Unidade a maioria dos casos foi registada em doentes do sexo masculino, sendo a maior proporção em adultos jovens e indivíduos com piores condições sócio-económicas.

A proporção de imigrantes neste estudo (19,8%) foi um pouco superior à percentagem encontrada em 2009, em Portugal (15%)3. Provavelmente, reflecte a maior necessidade de internamento destes doentes por falta de suporte sócio-económico.

A importância da imigração tem-se mostrado muito variável em diferentes casuísticas. Salienta-se a realizada durante o ano de 2001 num hospital espanhol de Madrid7 que apresentou apenas 9% de imigrantes enquanto um estudo publicado por um hospital de Paris8 revelou uma imigração de 43,6%.

Na nossa casuística, as formas de TB pulmonar foram as mais prevalentes, apesar das extra-pulmonares terem um peso importante nos doentes VIH+, o que está de acordo com o descrito na literatura. A TB miliar surge num lugar de destaque, logo após as formas de TB pleural e ganglionar torácica.

Tal como foi referido na introdução, em 2009, registaram-se em Portugal 13% de casos de TB e SIDA. Como seria de esperar, a percentagem obtida nestes dez anos de funcionamento foi substancialmente superior (34,7%), número este facilmente justificado pela grande necessidade de internamento destes doentes. Os valores de coinfecção publicados noutras casuísticas variaram entre os 6,9%8-43,6%7.

No presente estudo, a incidência de reacções adversas aos antibacilares (12%) foi relevante, sendo mais elevada do que em alguns estudos anteriormente publicados.9 Provavelmente este achado justifica-se pelo elevado número de comorbilidades associadas aos doentes da nossa casuística. Salienta-se que o alcoolismo foi uma comorbilidade de relevo nesta população estudada o que pode também contribuir para o desenvolvimento de hepatotoxicidade pelos antibacilares.

É notório o elevado número de retratamentos (26%). Chama-se a atenção para a necessidade de um controlo cada vez mais rigoroso dos doentes a fazer tratamento em ambulatório e de obter uma boa adesão à terapêutica, de forma também a dificultar o desenvolvimento de estirpes multirresistentes.

Por ser uma Unidade especialmente direccionada para o internamento de casos de TB MR/XDR, as taxas obtidas (6,6% e 6,8%, respectivamente) foram muito superiores às dos dados nacionais (2%)3. Em relação a outras casuísticas8,10–13, os nossos resultados foram quase sempre superiores, sendo apenas inferiores à casuística apresentada num hospital de Madrid (30%)7.

A nossa demora média global (28,5 dias) foi substancialmente superior à de outros estudos12,13, provavelmente devido ao maior número de casos de TB MR e XDR internados e também ao elevado número de comorbilidades.

Comparativamente a outros estudos14,15que referem uma taxa de mortalidade hospitalar entre os 5%-30%, a taxa encontrada nesta Unidade (8,6%) foi próxima dos melhores valores registados. Salientam-se a casuística de Madrid7 com resultados muito semelhantes aos nossos (9%) e a do Brasil10 com valores bastante superiores (18,4%).

A mortalidade foi sobretudo associada ao sexo masculino, aos casos de coinfecção pelo VIH, à existência de outras comorbilidades e às formas de TB MR e XDR.

Conclusões

Perante todos os dados obtidos neste estudo, conclui-se que é de extrema importância para o controlo dos casos de TB a existência de rastreios nas faixas etárias jovens, sobretudo quando associadas a determinados factores de risco, tais como hábitos aditivos, infecção pelo VIH, condições sócio-económicas precárias e imigração de países com alta prevalência de TB. Desta forma, o controlo da TB necessita da manutenção de estruturas de apoio do ambulatório.

A existência de unidades dedicadas exclusivamente ao internamento de formas de TB MR e XDR é de uma importância crescente e extremamente actual. Para tal, são necessárias reestruturações nas unidades, de forma a melhorar a qualidade dos isolamentos dos doentes.

É fundamental que diferentes entidades (responsáveis governamentais, administradores e clínicos) estejam envolvidas no controlo da infecção por TB para evitar a potencial transmissão nosocomial dos casos de TB MR e XDR.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
J.A. Caylà, J.A. Caminero, J. Ancochea.
Tuberculosis y solidaridad.
Arch Bronconeumol, 44 (2008), pp. 657-659
[2]
World Health Organization. Global Tuberculosis Control. A short update to the 2010 report. WHO/HTM/TB/2010.7. Geneva, Switzerland: WHO; 2010.
[3]
Direcção-Geral da Saúde. Ponto da situação epidemiológica e de desempenho. Relatório para o dia Mundial da Tuberculose. Programa Nacional de Luta Contra a Tuberculose (PNT). Março de 2010.(www.dgs.pt).
[4]
Relatório do Observatório Nacional das Doenças Respiratórias, 2009. (http://www.ondr.org/relatorios_ondr.html).
[6]
WHO report 2009. Global tuberculosis control: epidemiology, strategy, financing. Geneva. World Health Organization, 2009. (WHO/HTM/TB/2009.411).
[7]
I. Garcia Sánchez, C. Pérez de Oteyza, C. Gilsanz Fernández.
Tuberculosis epidemiological study in a third level hospital during 2001.
Na Med Interna, 22 (2005), pp. 222-226
[8]
J. Robert, D. Trystram, C. Truffot-Pernot, E. Cambau, V. Jarlier, J. Grosset.
Twenty-five years of tuberculosis in a French university hospital: a laboratory perspective.
Int J Tuberc Lung Dis, 4 (2000), pp. 504-512
[9]
B.E. Gulbay, O.U. Gurkan, A.O. Yildiz, Z.P. Onen, F.O. Erkekol, A. Baççioglu, et al.
Side effects due to primary antituberculosis drugs during the initial phase of therapy in 1149 hospitalized patients for tuberculosis.
Respir Med, 100 (2006), pp. 1834-1842
[10]
H.M. Oliveira, R.C. Brito, A.L. Kritski, A. Ruffino-Neto.
Epidemiological profile of hospitalized with TB at a referral hospital in the city of Rio de Janeiro, Brazil.
J Bras Pneumol, 35 (2009), pp. 780-787
[11]
M. Bonadio, A. Carpi, C. Gigli, E. Virgone, L. Carneglia.
Epidemiological and clinical features of 139 patients with tuberculosis at a teaching hospital in Italy (Pisa, 1996-2000).
Biomed Pharmacother, 59 (2005 Apr), pp. 127-131
[12]
C. Greenaway, D. Menzies, A. Fanning, R. Grewal, L. Yuan, J.M. FitzGerald.
Delay in Diagnosis among Hospitalized Patients with Active Tuberculosis – Predictors and Outcomes.
Am J Respir Crit Care Med, 165 (2002), pp. 927-933
[13]
V.K. Rao, E.P. Iademarco, V.J. Fraser, M.H. Kollef.
The impact of Comorbidity on Mortality Following In-hospital Diagnosis of Tuberculosis.
Chest, 114 (1998), pp. 1244-1252
[14]
S.R. Counsell, J.S. Tan, R.S. Dittus.
Unsuspected pulmonary tuberculosis in a community teaching hospital.
Arch Intern Med, 149 (1989), pp. 1274-1278
[15]
N.N. Hansel, B. Merriman, E.F. Haponik, G.B. Diette.
Hospitalizations for Tuberculosis in the United States in 2000. Predictors of In-Hospital Mortality.
Chest, 126 (2004), pp. 1079-1086
Copyright © 2011. Sociedade Portuguesa de Pneumologia
Download PDF
Pulmonology
Article options
Tools

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?